domingo, 27 de janeiro de 2008

E FOI ASSIM...

Um dos prazeres mais intensos que os dias me dão é o de ir caminhando na companhia de pessoa amiga pela tarde amena e ensolarada, com nuvens brancas a correr pelo céu limpo de Primavera talvez a prometer chuva para o jantar, se possível com o oceano próximo a azular o horizonte. E tal pessoa amiga que seja de boa escola e boa escolha para que a nossa conversa flua serena, esplendorosa e fértil como a tarde. E assim saídos, em andanças de erradio, que a conversa escancare uma a uma as nossas janelas, de modo a caldear as observações do momento com as reminiscências despertadas.
Os anos enchem-nos as arcas da memória com o que ficou dos quotidianos vividos e, quando os anos já são muitos, as arcas deitam por fora. Perambular com amigo dilecto e culto semeia tudo isso na corrente da conversa e depois… depois torna-se imperativo colher em escrito o melhor do acontecido para o fixar passo a passo. Recordações, reflexões, confissões (que reparto por três conjuntos, ou capítulos), em amálgama de tempos e lugares, mas amálgama natural porque se derrama assim como o borbulhar da vida. E aqui, embora a fala ocorra na primeira pessoa do singular, não é a pessoa do narrador que tenta sobressair, é sobretudo o narrado que a assume (à pessoa) como espect-actor presente em peripécias com algum significado.
Outrem poria estas coisas em forma de diário íntimo, ou em páginas de teor memorialístico onde talvez se chorasse do pouco mimo recebido dos próprios fados. A mim, porém, só me trilha um tanto pertencer sem remissão ao tempo que me cabe viver: adolescência e primeira juventude no pós-guerra, algo acenou em promessa na transição dos anos sessenta-setenta, ia nos 44 anos quando o regime do Estado Novo caiu, o PREC foi onda perdida no areal da história e, a partir dos anos oitenta, os paradigmas, atraídos por um norte magnético desnorteante, mudaram de sentido tão avassalador quanto se sabe… Que tempo!
Pois bem, não estando aqui um diário íntimo como o de Amiel, nem uma explanação de especial memorialismo como o de Torga, é contudo possível que desses modelos algo retenha em dispersão na medida em que reflicta uma existência e uma memória através de recordações pessoais, no geral observações e estórias decerto de algum proveito e exemplo. Que o Leitor seja agora o amigo bom a acompanhar as conversas tecidas ao longo destas páginas nos meandros de uma geografia humana em saltitante descrição – eis o voto de quem se dispõe a contar:
- E foi assim…