terça-feira, 31 de julho de 2012

Em férias

Agosto chegado, braços caídos. Mesmo sem subsídio de férias, o costume ordena. Vai tudo para fora cá dentro, para a praia próxima ou a aldeia distante, e por ali ficará o mês de papo pró ar na sorna ou a papar moscas. Os portugueses são demasiado abúlicos, diz-se? Ou, como dizia o outro, «piegas» a empobrecer brutalmente? Bem caro isso nos fica! O remédio prescrito é o emigrar... Enfim, o (des)governo tem o mês para lançar nas nossas costas, sem alaridos, mais umas tantas das suas medidas que agravarão as doenças do país em vez de servirem para as curar e, quando vier o mês seguinte, será o tempo de percebermos quanto nos custou a distração. Mas... sim, pois claro, isso é futuro, é miragem, agora estamos de partida, não vamos pensar nisso. Ali vai o meu vizinho, e o vizinho do meu vizinho. Bom, eu resolvo sair também, não atrás deles, porque vou ficar por perto. A cidade está mais habitável, começou a maravilha. Enfim, cumpra-se a tradição e... até setembro. Boas férias!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A crise e a moralidade

Um período de crise aguda costuma exigir, sem mais justificações, o sacrifício de liberdades e direitos sociais estabelecidos. O primeiro reflexo de tal sacrifício atinge os padrões da vivência moral que resulta do avanço da civilização em cada comunidade. Porém, as regras morais não mudam, dado que (cito): «Sem contestação, não se encontrará no mundo coisa alguma que tenha sofrido tão poucas mudanças como esses grandes dogmas que compõem o sistema moral.»
O trecho encontra-se em A Ideia de Deus, livro de um autor esquecido, Sampaio Bruno, que o publicou em 1902. Ora, na transição dos séculos XIX e XX, a crise que sobre Portugal se abatia, sendo diferente, não seria menor do que esta, atual. O pensador portuense situou a questão, escrevendo: «De facto, com o andar dos tempos e com o rodar da civilização, a moral depura-se, porque precisamente a ideia da igualdade (cada vez mais profundamente) mergulha e embebe as suas raízes. De maneira que a moral deixa de ser localista, regionalista, nacionalista, de classe, de raça, de religião - para passar a ser humana e genérica.»
A ideia da igualdade, diz Sampaio Bruno? Da igualdade como pedra de toque da Democracia? Aqui temos, então, uma porta aberta para chegarmos à contradição mais dilacerante do nosso tempo, o tempo das desigualdades em crescendo.
E todavia... «O homem, de instante para instante do seu desenvolvimento, compreende mais intimamente, de momento para momento mais se compenetra de que o carácter do acto moral consiste em /.../ não admitir retribuição alguma. O acto moral só é puro (isto é, só é verdadeiramente moral) quando nada recebe em troca.»
Sampaio Bruno, cristão que chegou ali a visionar uma sociedade sem classes, recorda, de Vitor Hugo, o célebre diálogo entre o padre Cimourdain e o general Gauvain, franceses em masmorra prontos para a guilhotina: «Gauvin redargue que, quando se haja dado a cada um aquilo que lhe pertence de direito, resta ainda dar-lhe o que não lhe pertença. Isto é, resta ainda a obrigação última: resta ainda a liquidar aquela suprema dívida dessa "imensa concessão recíproca que cada um deve a todos e todos devem a cada um".»
Sampaio Bruno cita o diálogo: «"Fora do direito estrito, não há nada. - Há tudo. - Eu não vejo senão a justiça. - Pois eu olho mais para cima. - Então o que é que há acima da justiça? - A equidade"».
«Mas só haverá Moral perfeita quando haja perfeita Igualdade.» Porquê? «Porque as verdades da Moral são uma só e única verdade.» «Aqui está a razão por que a educação moral falha em parte. É porque uns [homens] não são iguais aos outros.»

domingo, 22 de julho de 2012

Eucaliptos: o emblema final

Sobressaltam-se ambientalistas, ecologistas, paisagistas, técnicos de ordenamento do território, amigos da conservação da natureza em geral. O governo declara-se disposto a retirar todas as barreiras legais que impedem ou condicionam a expansão do eucalipto pelo território nacional. É caso para propor que os governantes substituam o emblema que exibem na lapela pelo ícone da árvore que tão bem lhes quadra.
Assim vão ser atiradas para o lixo todas as legislações nacionais produzidas desde o início do século XX que regulavam (pouco) o plantio daquela árvore invasora. Tem poucos amigos, mas poderosos (donos dos lucros das celuloses), e muitos inimigos sem poder. Todavia, sabem reconhecer na árvore um comportamento que até descrevem como «fascista»: come tudo em redor e não deixa nada.
Realmente, o eucalipto cresce depressa esgotando também depressa a humidade e o húmus contidos nos terrenos. Existem largas centenas de tipos diferentes, mas o que por aí abunda são os do crescimento mais rápido, logo os que mais depressa esgotam o potencial produtivo dos terrenos. Os amigos da natureza andam há imenso tempo a prevenir que tal árvore, sendo cheirosa, arruína os solos e expande no país maus cheiros e desertificação.
Ora o governo faz orelhas moucas para o que os tais muitos sem poder dizem e ouve os poucos com poder que lhes dizem o que querem ao ouvido. Tudo o que estes tem vindo a ganhar parece-lhes pouco. Os próprios incêndios na floresta (que este ano, piores que nunca, alastram sem travão), segundo pretendem certas insinuações, acabam por beneficiar de vários modos apenas as celuloses.
Porém, a consequência de maior gravidade que a medida decerto vai ter atinge a existência dos baldios. Herança histórica que remonta ao fim do feudalismo, os terrenos baldios são propriedade comum dos moradores de cada lugar como pastagens e reservatórios de lenhas. Nos anos '60, ocupavam 6% do território nacional; presentemente serão 420 mil ha.
Carlos Rebola, bloguista que lembro com saudade, fez há anos uma pesquisa e colocou em Google.docs um acervo importante de documentos sobre baldios, mas há outra informação disponível. O problema, agora, consiste na dúvida: irá o governo dar rédia solta às empresas madeireiras e deixá-las avançar (apropriarem-se?) por cima dos baldios? Dúvida justificada: a questão dos baldios está aberta desde há muito tempo e estes governantes ultra-neoliberais sentem-se dispostos a entregar tudo de mão beijada.
Portugal vai assim a caminho do futuro que certo economista americano veio apontar-lhe: apostar na produção florestal. Sem outro emprego, metade dos portugueses, de tanga e com rendimento de sobrevivência, cuidarão dos eucaliptais e a outra metade terá orgulho terceiromundista por exportar a pasta, matéria prima, e importar o papel fabricado. (Imagem: desenho de Pawel Kuczynski.)

domingo, 15 de julho de 2012

Mando carta aberta

Caro amigo: Lamento mas não o acompanho nessa queixa dos sábios que procuram a tal «partícula de Deus» no Universo. Desde logo, aprecie a beleza poética da metáfora introduzida (pelos físicos?) e a sua expressividade. Sobretudo considere comigo que os cientistas do CERN estão a responder ao que reclama: «E então a "partícula do Homem", quando a buscam, qual é e onde está?»
Concordamos num ponto, a ciência não mata a filosofia. Acho que aquela se relaciona intimamente com esta e que ambas, seguindo linhas paralelas, se inter-influenciam. Dir-se-á, com certa razão e lamento, que na atualidade é a ciência que avança puxada pela evolução geral das tecnologias, e a filosofia (isto é, as Humanidades), que relativamente se atrasa.
Porém, o avanço da investigação que provou a existência de um «bosão de Higgs» está aí a demonstrar precisamente quanto a ciência pode influenciar e mesmo servir a filosofia. Trata-se de conhecer o funcionamento da misteriosa partícula subatómica que recebeu o nome do seu, agora festejado, descobridor. Higgs percebeu que essa partícula teria fatalmente que existir ali para organizar os átomos, ou seja, a matéria.
Ora nós, a humanidade inteira e tudo quanto na realidade existe, somos matéria. Precisamos sem dúvida nenhuma de conhecer todos os segredos desta matéria de que somos feitos. Os conhecimentos científicos mais avançados - e nós, uns leigos, com eles aprendemos - detiveram-se numa «fronteira» teórica que deixa imensas evidências sem explicação, sejam de aparência comezinha como esse bosão indetectável no interior de um átomo ou espetacular como a força que põe a girar uma galáxia inteira ou abre algures um dos chamados buracos negros gigantescos que tudo sugam para um «outro lado» invisível, inconcebível.
Eis o motivo por que me parece fundamental a investigação desenvolvida no CERN, mais fundamental, suponho, do que ir à Lua ou a Marte ou militarizar o espaço (área nova de confrontos bélicos). Suponho que designar o bosão como a «partícula de Deus» lhe cai mal no ouvido, pois o conheço tão agnóstico quanto eu, mas repare: a metáfora, bem apreciada, contém uma pitada de humor. Os cientistas de infinitas gerações avançaram até o ponto em que hoje estão sem jamais encontrarem o Criador e explicando sempre, experimentalmente, os fenómenos naturais; logo, talvez Ele pudesse estar escondido naquela simples partícula que parece abrir para um outro Universo (de antimatéria?) ainda por desvendar...

terça-feira, 10 de julho de 2012

Vamos juntos


Acontece tão pouca coisa realmente nova em certos dias que um homem tem tempo para contar os botões da camisa. Se o homem está no desemprego, sobeja-lhe o tempo para refletir. As ideias correm-lhe pela cabeça, agarram-se em cachos umas às outras e o fulano, parado e a sós consigo mesmo, imagina que «o mundo pula e avança como bola colorida nos pés de uma criança»...
Enquanto esteve empregado, viu crescer o desemprego em volta. Continuou, porém, a sentir-se confortável porque o seu lugar parecia garantido, tudo ia bem. Agora percebe a ilusão que o cegava: cada pessoa que perdia o emprego era mais uma ameaça que se acrescentava ao risco da perda do seu próprio trabalho.
Acabou também no desemprego, envolvido no rol do milhão e duzentos mil, a rilhar os dentes na falta de dinheiro para a compra do indispensável. Lançado na situação desgraçada em que antes via os outros, da qual ele imaginou poder livrar-se com esperteza, obediência  e bom serviço, humildade quanto baste. Mas de nada lhe valeram os seus talentos e sacrifícios, acreditando ingenuamente que ali era necessário, considerado, serviçal.
A sua ingenuidade, afinal, foi a de tantos outros também postos na rua logo que o patrão  isso mandou, estava agora a percebê-lo. E, como eles, sempre cego, ceguinho de todo para o grave perigo em que iam ficando eles, os empregados, que viam crescer o desemprego. Agora sim, era evidente o facto: vamos juntos no mesmo barco.
Lição custosa de engolir. Porque houve ocasião e motivo forte para os empregados  manifestarem solidariedade com os despedidos, solidariedade a sério, e houve pouca ou nenhuma solidariedade. A pensar tolamente que os problemas de uns não eram, ou iam ser, os problemas de todos, quer dizer, como se os patrões os empregassem não pelo lucro que lhes davam mas pelos seus lindos olhos. 
E por este caminho chegava a outra reflexão bem pior, mais dura de trincar. O crescimento do desemprego fez baixar mais e mais os salários. Baixou-os até aos níveis da miséria e da precariedade atual. Conclusão: todos os empregados, um a um, devem unir-se sempre na defesa e na proteção do trabalho com direitos para não caírem em desgraça.

domingo, 8 de julho de 2012

Imagem que pouco se vê

           Ondas salgadas lançam nos areais a poluição lançada por exploração do petróleo no mar.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Ordem ou subversão?

Enchem a boca a falar da «nossa democracia» como se ela fosse carruagem pomposa, cheia de cromados e veludos reluzentes onde viajassem sentados e nós, os párvulos, de pé, em magotes felizes a vê-los passar. Talvez falem da democracia que fazem sua pela conquista que a soma dos nossos votos lhes proporciona. Mas, limpando a questão da retórica e do ranço político, o que vemos?
Vemos os partidos e os seus políticos que se revesam na governação. A «nossa democracia» é deles por apropriação legitimada pelas regras por eles e para eles estabelecidas. Formam o designado arco do poder, isto é, entram na dança das cadeiras de modo que a música lhes cai sempre bem no ouvido.
Andamos neste baile há muito tempo e o resultado é de arromba: há campainhas de alarme a soar no corpo nacional, a crise desatada é devastadora e ainda nem sabemos que migalha de soberania nos resta. Aprendemos ao menos a lição? Que lição?
Os votos dos eleitores dão a maioria garantida, mais coisinha menos coisinha conforme a maré, aos mesmos de sempre, e no essencial a política vai ficando cada vez pior. As eleições transformaram-se em meros formalismos necessários apenas para a legitimação do poder e a entrada em cena de caras novas, deixando tudo o mais a sobrar nesta «democracia». Os arredados do arco do poder, partidos e políticos, naturalmente da esquerda, não tem o apoio da maioria da população, que se encontra sempre bem prevenida, por todos os meios, do perigo comunista ou de qualquer esquerdismo.
Felizmente, ninguém aproveita a ocasião para vir insinuar que a maioria eleitoral não aprende a votar. O crescimento das abstenções é apontado com preocupação, mas é forçoso reconhecer, não é fácil pôr a delirar com os golos do futebol a população e esperar ter em maioria os cidadãos atentos aos negócios nacionais. Todavia, já houve defensores da ideia pela qual os votos da maioria, ditos do Portugal profundo, não tinham mérito igual ao dos votos dos outros eleitores...
Não vai ser fácil sair desta situação desordenada ao máximo pela crise. É verdade, a ordem opõe-se à subversão, e vice-versa. O que lembra que a subversão pode iniciar-se de todas as formas possíveis, em nome da democracia real, como desobediência civil.