segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Direitos de autor e cópias ilegais

O parlamento português tem em apreciação um projeto de lei sobre direitos de autor e cópias ilegais, a designada «pirataria». A iniciativa, da bancada socialista, rodeou-se logo de grande polémica porque caiu sobre o barulho do escândalo mundial provocado pelo apagamento do Megaupload, sítio da Internet de livre partilha de ficheiros, ordenado pela autoridade americana. Esta coincidência desorientou muitas cabeças de opinantes portugueses mais prontos para a indignação do que para a reflexão.
Estabeleceu-se uma lamentável confusão entre os dois casos, posto que de índole diversa ou mesmo adversa. Muitos dos nossos opinadores dispararam contra o projeto de lei supondo-se defensores de uma Internet livre de censuras, o que não é o caso. O que o Congresso norte-americano pretendia (com os famigerados PIPA, SOPA e etc. - que, note-se, a União Europeia quer «importar») era, e é, à evidência, transformar a Internet num instrumento político de dominação imperial do planeta, algo do agrado do Big Broder orweliano.
É verdade que Megauploaud permitia cópias ilegais, mas servia também para guardar imensos ficheiros privados que se perderam. A alegada «pirataria» serviu apenas para justificar politicamente a medida repressiva, sem dúvida com alcances bastante mais ambiciosos e obscuros. Neste ponto se erguem para nós algumas distinções fundamentais sobre o que entra no jogo dos direitos de autor, o famoso copyright.
A autores literários como eu, por exemplo, pouca mossa fazem as cópias ilegais, o que  já não acontece quando um autor produz best-sellers. A literatura rende pouco comparada com os rendimentos gerados pelos consumos de música, televisão, cinema, teatro... e aí o prejuízo pode ser enorme ou mesmo devastador para a criatividade artística.
A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) anunciou há dias em comunicado que um estudo indicou que o usuário privado típico fazia num mês, em média, cópias de 64 músicas. Encheriam cinco álbuns com o valor de 75 euros. O valor das cópias ilegais de filmes em DVD e outras tornam o quadro expressivo, eloquente!
O referido projeto de lei tem, naturalmente, o apoio da SPA, cooperativa que de imediato se viu colocada no centro da polémica e tão maltratada que se apressou a esclarecer uns factos essenciais. Resumiu-os em «10 coisas que deveria saber sobre a Lei da Cópia Privada», lei esta que o projeto legislativo visa alterar. É de um pequeno alargamento que se trata.
Ali se explica por que motivo um usuário privado tem que suportar tarifas da quais até agora esteve isento. Mas Portugal não é o primeiro a aplicar essas tarifas (16 países já as aplicam e em Portugal ficarão com valor abaixo da média europeia) e colocando-as sobre equipamentos e suportes de memória ainda não abrangidos pela lei. Terão tarifas proporcionais à capacidade invertida de armazenamento: quanto maiores, mais baratas.
Afinal, é dos seus direitos que os autores retiram o salário. Não têm outro enquanto criadores de cultura! Vendo bem, esses direitos jamais poderão confundir-se com uns outros das grandes corporações, que até patenteiam, de mistura com fórmulas, a nossa própria natureza. 

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Aqui há quatro anos

Este blogue completa hoje quatro anos. Apareceu em 27 de janeiro de 2008, proposto como «O Juízo do tempo ~ no tempo do Juízo». A legenda, de jeito um tanto risonho, invocava as sentenças dos velhos almanaques. Mas sobreveio um imprevisto, o tempo mudou num ápice e começou logo ali a declarar-se a crise - política, financeira, económica, social - que levou o cronista-cidadão a virar-se para aquele lado.
Assim, em vez de se estender pelas digressões prazenteiras nas margens do jornalismo e da literatura que o temário pessoal antevia, constituiu-se este blogue também como narrativa de uma crescente deriva, esta incrível deriva de tão trágicas consequências. Terminava o século XX (conforme os atentados do 11 de setembro assinalavam)  e entrávamos, esfregando os olhos, na era do pleno unilateralismo, do novo paradigma (imposto pela alta finança), da desregulação global, da pauperização das classes médias e do empobrecimento geral programado. Relembro: investiu-se então o cronista, a pouco e pouco, do papel de espect-ator conforme os termos arquivados nos dois tomos de E Foi Assim, o primeiro publicado em março e o segundo em setembro de 2011, ambos disponibilizados em formato e-book  (ver «etiquetas»: o tema crise política avulta)...
A experiência obtida com estas publicações resultou de tal forma que à primeira logo se juntaram outras, sempre com ligação (link)  através deste blogue. Teve isto a ver com as alterações surgidas no setor português da edição literária. Foi tomado de golpe pelo grande capital e as dificuldades introduzidas pela crise fizeram o resto.
Os leitores deste blogue encontram no meu escaparate de e-books, atualmente, mais oito títulos. Estão ali, desde março de 2011, quatro livros inéditos ou em nova edição e dois outros títulos (um em parceria, sobre literatura para crianças, e o outro com poemas de autoria anónima), todos registando 3.500 entradas ou mais e cada um com muitos milhares de páginas lidas. Recentemente coloquei ali mais dois inéditos: um pequeno conjunto de contos («o amor em tempo de crise») com ilustrações do pintor Avelino Rocha e, a rematar, este gesto extraordinário: um célebre conto «infantil» de Oscar Wilde, recontado por mim em breve, procura demonstrar ao leitor o que deve entender-se por literatura para crianças.
Vai agora este blogue entrar no quinto ano. Em período tão calamitoso, como irá ele prosseguir?... Que, pelo menos, viva e que, sem grande demora, possam aparecer naquele escaparate, já ilustradas, duas histórias para crianças, inéditas, de minha autoria.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O fim da picada

As nações pertencentes ao conjunto do designado mundo ocidental enfrentam hoje desafios e dificuldades verdadeiramente insuperáveis. Porém, os seus governos entretêm-se no dia a dia a iludir os problemas ou a adiar as soluções convenientes, correndo para diante sem ver o caminho. Avançam contentes uns com os outros e assim nos fazem chegar, através do mato, ao fim da picada.
Entretanto, debatendo-se na crise das crises, os povos permanecem alheados, na persuasão tonta de que lhes basta ir votar de vez em quando para serem bons cidadãos, pois a comunicação social posta «em boas mãos», de acordo com os governos, não iria estragar o ambiente com uns sonoros berros. Mas como pode permanecer mudo e quedo quem assiste ao brutal desabar das coisas? O mundo ocidental parece chegado a um ponto limite que lhe impõe cortes e rupturas terminantes com  políticas, governações, mentalidades e comportamentos sociais agora insuportáveis.
Estamos na nova ordem do mundo («ordem criminosa», acusam Eduardo Galeano e Jean Ziegler), extinguem-se as classes médias, baixa o nível de vida, desaparece a democracia, manda mais quem não foi eleito nem tem nome retumbante. Os Estados afundam-se em paralisias económicas, recessões e programas de austeridade, défices crónicos, empréstimos impagáveis. A governação perde transparência, desviada para além de cortinas espessas, deixando à vista muita política degradada como espetáculo.
A própria governança deixou-se contaminar por algo mafioso, suspeito ou clandestino, à margem das leis que a governança soube produzir. A União Europeia, com a sua moeda, vacila e ameaça ruir, a extração do petróleo e do gás natural declina, encarece a energia,  os recursos planetários não renováveis mostram quão finitos são, tudo parece chegar a um extremo que é o momento das rupturas decisivas. As economias abrandam e estagnam, extingue-se a ilusão do crescimento contínuo (os Estados regressam ao nacionalismo e fecham-se, procurando a autossuficiência tal como as regiões e as famílias).
Mas de pé está a economia de guerra e o crescimento da especulação financeira, a repressão e os negócios da vigilância extensiva (a espionagem maciça) exercida por empresas de «segurança». Fica claro também que a dita «globalização» foi promovida por fundações como a Rockefeller, Carnegie ou Ford, por isso acusadas de espalhar, com o seu muito dinheiro, uma «influência corrosiva na sociedade democrática». E fica o Pentágono apontado para a Ásia, gastando em «defesa» mais do que, juntas, as dez nações que se seguem nessas despesas.
Na verdade, os States tornam-se numa «ditadura democrática» e mesmo, para um crítico interno, «um Estado totalitário militar com trajo civil». O imperialismo sonha vir a ter o mundo todo nos seus braços para o digerir. Irá querê-lo aliviado de uma boa parte dos seus sete mil milhões de habitantes? [Imagem: autor, Erik Joahnsson; clique para ampliar.]

domingo, 15 de janeiro de 2012

O poder dos fumadores

Um não dependente da necessidade de fumar dificilmente compreenderá a necessidade do fumador. Começou por ser  induzida (é necessidade imaginária ou irreal, pois, como poderiam os cigarros iniciais interessar ao corpo que  respira?) e depois instala-se. Mas um fumador também mostra quanto lhe custa admitir  nos outros a rejeição ou mesmo a repulsa do seu fumo.
O fumador, de início, nem consegue gostar do cigarro. Continua, porém, até cair, tossindo, na dependência do tabaco. A dependência, como acontece com qualquer outra droga, cresce e torna-se mais e mais exigente até que, por fim, de tanto crescer no indivíduo, se torna insuportável...
É assim que temos, entre os abstémios do tabaco e os fumadores viciados, um conflito azedo sempre em aberto. Opiniões contrapostas ressurgem agora, em altas labaredas, porque os tabagistas serão chamados a cumprir uma regulamentação nova que lhes condicionará o ato de fumar. Parece, então, que os únicos aptos a compreender ambos os lados são os antigos fumadores: têm experiência, já passaram por lá...
Anuncia-se que os fumadores terão de se afastar da entrada de restaurantes e cafés de modo a evitar a poluição dos respetivos interiores.  Terão de sair do umbral da porta e do passeio fronteiro, afastar-se um pouco por muito que lhes custe.  Apoia-se esta nova exigência num estudo recente que aponta para essa e outras mudanças restritivas das liberdades dos tabagistas portugueses.
Fundamentalismo, perseguição, execração pública, ditadura - clamam e reclamam os fumadores. Fechados no seu egoísmo, não percebem que haja alguém que não aprecie o que os deleita - viver dentro da nuvem de fumo até à intoxicação. Espanto e dúvida: como pode incomodar o nariz de uma pessoa o cigarro que levam aceso nos dedos ao caminhar na rua?!
O respirar é, para eles (por enquanto) tão fácil como o olhar: basta abrir as pálpebras ou dar aos foles. Portugal, na sua férrea opinião, não deveria seguir o exemplo da Califórnia, que a União Europeia mostra querer seguir. Mas o poder dos fumadores diminui: talvez em breve, terão que fugir dos locais públicos e procurar uns locais expressamente preparados para esse fim, «salas de chuto» cigarreiro onde serão autorizados a soltar as suas maléficas baforadas... esquecidos de que o «fumar mata»!

domingo, 8 de janeiro de 2012

Política e religião

Habituámo-nos à existência de forças sociais que defendem políticas consideradas de direita ou de esquerda. Esta clivagem vem de longe, percorre os anais da história desde a Revolução Francesa, demonstrando que as políticas defendidas pela direita tendem a servir segmentos sociais restritos mas influentes, enquanto as da esquerda tendem a contemplar largos estratos da população, isto é, o nível popular. São, a traço grosso, as duas tendências fundamentais presentes no dinamismo da sociedade.
A questão surge quando aparecem alinhados com a direita radical sucessivas gerações de políticos que, simultaneamente, são católicos fervorosos e obedientes. A religião, nesses casos, não é apenas assunto da vida privada do homem (ou mulher) público; passa a ser assunto também do seu partido e mesmo da sua Igreja. As políticas que defende contêm opções cujos valores éticos e humanos em geral se refletem na imagem do seu partido e na religião que professa.
A questão define-se, porém, lembrando-nos que é nos partidos da direita que se concentram os políticos nascidos nos berços das famílias privilegiadas. A militância aparece-lhes quase como um dever no sentido da conservação dos seus privilégios. A própria hierarquia católica, tão paternal, lhes mostra o caminho.
É neste ponto que se declara a questão: o papel e o valor do papel que a religião tem vindo a cumprir no interior da comunidade nacional. Falando não apenas do catolicismo, ou do cristianismo em geral, dos políticos da direita. Contemplando igualmente organizações como a Opus Dei, a Maçonaria.
A indagação fulcral consiste em apurar a flagrante contradição, verdadeiramente insanável, aberta entre os valores éticos e humanos contidos na doutrina propagada pelas apologéticas respetivas e as práticas concretas desses políticos. A religião fica parada à porta dos gabinetes - do Governo, do partido, da empresa - onde tomam as suas decisões. É algo como o vistoso sobretudo que deixam à entrada.
Tal contradição avulta, gritantemente, no quadro das crises que sufocam os países da união europeia governados por políticos de direita ou submetidos a políticas da direita, países levados pela onda do endividamento vicioso ao serviço da acumulação da alta finança que logo justifica a recessão e a austeridade. O sofrimento de extensas massas populares atingidas por desemprego, falência do Estado social, baixa de níveis de vida, instabilidade das uniões familiares - provocado diretamente pelas mudanças políticas - deixa esses políticos em notória indiferença. A religião desertou da política e, como sobretudo no cabide, ficou metida entre parênteses agora que a riqueza material reina a valer na terra e no céu.
Que papel e que valor atribuir, portanto, à religião? Se a fé, qualquer fé, já não liga o crente ao seu semelhante, isto é, se perdeu toda a transcendência, toda a espiritualidade, o que resta? Restará, pelo menos, a herança perpétua de uma religião natural de David Hume (1711-1776), a «religião (re-ligação) da humanidade»...

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Ano novo... velho

Os telejornais das oito horas já haviam mostrado imagens da passagem de ano na Austrália e na Ásia, chegava agora o momento de os habitantes da ponta ocidental do continente europeu vigiarem o avanço do ponteiro dos segundos. Ia completar-se o minuto que completaria a hora que terminaria o dia do derradeiro mês de mais um ano! De uvas passas em riste, a senhora ia descontando os segundos até ao zero e, quando levou à boca a última das doze passas, soltou um brado entusiástico, triunfal.
Ali entravam todos, a senhora e o seu grupo, no novo ano. Saudavam-no com ruidosa alegria e muita expectativa, em redor de mesa bem guarnecida de comes e bebes seguindo um costume ancestral que, aparentemente, queriam manter apesar de tolhidos pela crise. Lá fora, na noite tranquila, no limiar do anno horribilis do anunciado empobrecimento, o povo também festejava e bramia: explodia uma fartura de foguetório e o céu noturno abria-se em girândolas pirotécnicas, mil luminárias em derrames ourescentes.
Os povos, da Austrália ou da Ásia à Europa, recebiam com entusiasmo o ano novo. Queriam ter, certamente, um tempo novo, uma renovação de vida. Mas acaso é, ou pode ser, o ano novo um «outro» tempo?
O que é, em rigor, o tempo (terrestre, humano)? A resultante natural dos movimentos de rotação e translação do habitáculo espacial da humanidade em redor do Sol? E o que tem isso a ver com o tempo cósmico?
A contagem do nosso tempo, terrestre e humano, marcado pelas folhas do calendário, lembra quanto o homem se faz a medida de todas as coisas. A mudança de ano é acontecimento que não interrompe uma duração em contínuo fluir. Se os povos afundados em crises de brutais consequências ainda aproveitam a ocasião para festejar, talvez estejam agora a fugir do medo mais do que a expandir crença no futuro.
A simples mudança do ano na contagem da nossa era, o que muda? O tempo é o velho, sempre. E as pessoas continuam as mesmas.