domingo, 8 de janeiro de 2012

Política e religião

Habituámo-nos à existência de forças sociais que defendem políticas consideradas de direita ou de esquerda. Esta clivagem vem de longe, percorre os anais da história desde a Revolução Francesa, demonstrando que as políticas defendidas pela direita tendem a servir segmentos sociais restritos mas influentes, enquanto as da esquerda tendem a contemplar largos estratos da população, isto é, o nível popular. São, a traço grosso, as duas tendências fundamentais presentes no dinamismo da sociedade.
A questão surge quando aparecem alinhados com a direita radical sucessivas gerações de políticos que, simultaneamente, são católicos fervorosos e obedientes. A religião, nesses casos, não é apenas assunto da vida privada do homem (ou mulher) público; passa a ser assunto também do seu partido e mesmo da sua Igreja. As políticas que defende contêm opções cujos valores éticos e humanos em geral se refletem na imagem do seu partido e na religião que professa.
A questão define-se, porém, lembrando-nos que é nos partidos da direita que se concentram os políticos nascidos nos berços das famílias privilegiadas. A militância aparece-lhes quase como um dever no sentido da conservação dos seus privilégios. A própria hierarquia católica, tão paternal, lhes mostra o caminho.
É neste ponto que se declara a questão: o papel e o valor do papel que a religião tem vindo a cumprir no interior da comunidade nacional. Falando não apenas do catolicismo, ou do cristianismo em geral, dos políticos da direita. Contemplando igualmente organizações como a Opus Dei, a Maçonaria.
A indagação fulcral consiste em apurar a flagrante contradição, verdadeiramente insanável, aberta entre os valores éticos e humanos contidos na doutrina propagada pelas apologéticas respetivas e as práticas concretas desses políticos. A religião fica parada à porta dos gabinetes - do Governo, do partido, da empresa - onde tomam as suas decisões. É algo como o vistoso sobretudo que deixam à entrada.
Tal contradição avulta, gritantemente, no quadro das crises que sufocam os países da união europeia governados por políticos de direita ou submetidos a políticas da direita, países levados pela onda do endividamento vicioso ao serviço da acumulação da alta finança que logo justifica a recessão e a austeridade. O sofrimento de extensas massas populares atingidas por desemprego, falência do Estado social, baixa de níveis de vida, instabilidade das uniões familiares - provocado diretamente pelas mudanças políticas - deixa esses políticos em notória indiferença. A religião desertou da política e, como sobretudo no cabide, ficou metida entre parênteses agora que a riqueza material reina a valer na terra e no céu.
Que papel e que valor atribuir, portanto, à religião? Se a fé, qualquer fé, já não liga o crente ao seu semelhante, isto é, se perdeu toda a transcendência, toda a espiritualidade, o que resta? Restará, pelo menos, a herança perpétua de uma religião natural de David Hume (1711-1776), a «religião (re-ligação) da humanidade»...

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