terça-feira, 28 de junho de 2011

Séc. XX literário em balanço

A literatura visível, que enche o olho, é hoje a que circula com a chancela das maiores editoras. A crítica e a teoria literária passaram também por um processo de centrifugação e ficaram concentradas nos claustros académicos. As mudanças substanciais geradas por estes movimentos ficaram assim a reclamar ponderação e estudo à altura da multiplicidade das suas implicações socioculturais.
Esse estudo parece que tarda mas, para já, eis um valioso contributo apontado nesse sentido: um balanço do século XX literário. Surge com o nº 1 da «Revista de Estudos Literários» publicada pelo Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra. O volume inaugural, com mais de 450 pp, aparece dedicado ao tema «Os estudos literários em Portugal no Século XX».
De facto, é na segunda metade deste século português que se agudiza entre nós «a crise que afecta as Humanidades no seu todo» (in José Augusto Cardoso Bernardes, diretor da nova revista, na Apresentação), e logo, também, crise da teoria da Literatura. Assim  veio a definhar uma interdisciplinaridade natural dos estudos literários à medida que foi assentando em áreas de crescente especialização e se acompanhou, nos meios académicos, pela influência expansiva do textualismo de pendor estruturalista. Felizmente, o diretor desta revista afirma querer implantar «práticas novas» sem, todavia, enjeitar «a tradição».
A secção temática do volume, em cerca de 200 pp, contém sete estudos por Rosa Maria Goulart, Carlos M. F. da Cunha, Helena Carvalhão Buescu, António Apolinário Lourenço, F. J. Vieira Pimentel, Gustavo Rubim e Ricardo Namora. Abordam, sucessivamente, os dicionários de literatura; as historiografias literárias positivista e posterior; o cânone literário e o ensino; F. Pessoa e a crítica em «A Águia»; a crítica do grupo presencista; o contemporâneo triunfante e a afirmação nacional e, por fim, os impasses atuais da teorização.
A secção seguinte, Vária, reúne estudos de Ofélia Paiva Monteiro, Burghard Baltrusch, Irene Fialho, Ana Luísa Amaral e Paulo Meneses, abordando Garrett e o romantismo; O Banqueiro Anarquista de Pessoa; o Fradique Mendes, de Eça; mundo e poética;  e, em Arquivo, evocação de textos de José G. Herculano de Carvalho sobre criação poética. Mas, no primeiro nº desta revista (anual, já com o nº 3 em preparação) ainda não é tudo. Duas outras leituras, pelo menos, parecem situáveis na órbita do tema em foco: umas arejadas «reflexões sobre a crise» de Pires Laranjeira, visão aprofundada da situação em que se encontram, sobretudo a nível universitário, as literaturas lusófonas e seu estudo; e um texto, por António Sousa Ribeiro, que retoma o «discurso da crise«, sobre Humanidades e Universidade no século XXI.
Estes dois estudos colocam-se de algum modo no fulcro essencial da questão, pois avaliam, cada um pelos seus próprios meios, o futuro da nossa língua no mundo e o papel que pode desempenhar nesse futuro uma Universidade atenta à criteriosa renovação da herança humanística. São desafios incontornáveis. Para que a Universidade não se perca de si própria, antes reassuma prestígio e fulgurância vivificadoras, lute empenhadamente pelo restauro de uma política que reponha a «cultura» das Humanidades no seu lugar matricial. [Imagem: pintura Leda e o Cisne. Museu de Miami Beach.]

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