sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Vou com as andorinhas

Desapareceram dos meus lugares as andorinhas. Vejo pardais, melros, arvéloas e mesmo gaivotas, umas detestáveis gaivotas que saem em bandos das areias marítimas e povoam as ruas urbanas para disputarem com as mansas pombas, à bicada omnívora, os alimentos. Faltam-me, portanto, andorinhas nos olhos.
Estou com saudades das suas asas negras em revoluteios aéreos ou rasando as estradas adormecidas da minha infância aldeã. Os animais de trabalho de então foram substituídos pelos motores que afugentam o mosquedo: não o acolhem e alimentam para depois, voando, o mosquedo alimentar as andorinhas. Mas com estas evocações tomo consciência de muito mais que me desapareceu da vista e agora me falta.
Faltam-me os ninhos construídos nos beirais dos prédios, ninhos que as andorinhas utilizavam um ano e outro. Ninhos em forma de bolsa com entrada redonda, feitos voo a voo com bicadas sucessivas de lama barrenta trazida,  húmida, de algures e que, depois de seca, era almofadada por dentro com palhinhas. Chegou a ser proibida aos donos dos prédios, queixosos porque lhes estragavam as frontarias, a destruição desses ninhos, de modo que as andorinhas fugiram para as árvores, para os campos do últimos rebanhos e manadas e, por fim, para parte incerta.
Por isso, façam o favor, tragam-me andorinhas para os olhos. Está no fim o verão (que este ano passou e pouco se sentiu) e entramos num outono antecipado. As folhas das árvores, caindo em revoadas amarelas, crepitam sob os nossos passos anunciando a partida iminente das andorinhas para parte incerta e eu estou decidido, vou partir com elas. [Imagem, autor: Pawel Kuczynski, n. 1976, Polónia.]

4 comentários:

Maria Paz disse...

Do tal lugar incerto espero que continue a escrever para aqui.

A. M. disse...

Ainda não me apareceram as andorinhas e nem sei se elas quererão a minha companhia. É pena, faltam-me asas, e sem guias não consigo atinar onde fica o lugar incerto que apenas as andorinhas conhecem.
Mas fico-me com a sua simpatia, que muito agradeço!

Anónimo disse...

Estimado amigo:
Foi com alguma surpresa que ainda encontrei ninhos de andorinhas nos beirais das casas da nossa aldeia durante a minha visita anual...
Muitos cumprimentos desde California. Elio Freitas.

A. M. disse...

Caro Élio:
Também a mim me surpreende o teu achado. Devem ser as últimas andorinhas a «resistir» na zona... Agradeço-te a indicação, bastante saborosa, e a tua visita.
Abraço cordial.