sexta-feira, 23 de março de 2012

A rapariga nua

Esta rapariga não está a vender o corpo, sequer a exibi-lo em pose provocante. Assume naturalmente o que é seu, assumindo quem é de corpo inteiro. Nu, bonito e limpo como a verdade.
O fotógrafo deve ter pressentido na rapariga a centelha de algo raro. Algo como uma estreme candura - palavra que me detém, pensativo.
Há tanto tempo que não leio nem escrevo o vocábulo ou, candidamente, algum seu derivado, e o pormenor prende-me numa conjectura que neste momento não estou para atender (reina o despudor, o exibicionismo, a coisificação das seduções femininas).
Pelos olhos que vêem estas imagens no powerpoint já mil outras imagens passaram com exposições de corpos femininos despidos. Maquilhados e depilados a preceito, bem fotografados e em poses insinuantes, provocadoras ou mesmo obscenas, esses corpos não deixaram na retina a menor impressão.
Porém, relembro com clareza as imagens desta rapariga nua com a bicicleta verde que tornei agora a receber (e a “reler”), enviadas por mão amiga certamente depois de rodarem por meio mundo.
Já as conheço e reconheço e, no entanto, estou a revisitá-las com simpatia.
A hipocrisia das convenções correntes estabelece, nestes casos, a condenação sumária da moça e de quem, assumido mirone, com descaro isto escreve. Mas eu, desafiado, preciso de apontar a assunção do próprio corpo onde este se revela, natural como a juventude, porque é atitude bastante mais rara do que pode supor-se.
A nudez cândida nada tem a esconder. É sincera e honesta sem artifício e também, por vezes, corajosa. Eis o que a moça me comunica, a sorrir, nas diversas posições que toma de bicicleta na mão, com a franqueza simples da prática naturista.
Aparece num campo ervado, talvez perto de casa ou de algum moinho, iluminada pelo esplendor sanguíneo de um poente que lhe põe a luzir o ínfimo pelame dos relevos da sua grácil anatomia.
Imagino-a holandesa. E mais, que o fotógrafo seria seu namorado (porque, sem dúvida, o fotógrafo gostava dela). Mas, vamos supor, os anos correram, a moça casou, rodeia-se agora de crianças.
Guarda consigo, no fundo da arca, junto com as recordações mais íntimas, estas fotografias que revê com gosto e nostalgia. Recordam-lhe a frescura daquele corpo que foi seu. Lembra-se então de quando se deu pela primeira vez ao namorado tendo na memória a observação atenta que antes fizera ao espelho da beleza do seu corpo e de ter sentido no beijo que recebia que era aquele seu mesmo corpo lindo que a beijava através do seu rapaz...

Sem comentários: