quinta-feira, 18 de abril de 2013

Que livros “para crianças”?

Retomo este assunto chamado por uma notícia que, na sua simples gravidade, deixa à vista o avanço da destruição operada pelas pedagogias em uso no sistema do ensino no país democratizado. O blogue de uma escola do primeiro ano do ensino básico, algures no Ribatejo, anunciou que as ilustrações de certo livro de histórias para crianças eram “pobres” no parecer dos seus professores. Ora é neste ponto preciso que o caso se torna exemplar.
Quem assina aquelas ilustrações é Júlio Resende, artista de renome nacional decerto desconhecido algures no Ribatejo, que foi mestre de muitos outros artistas e director da Escola de Belas Artes do Porto; pintou e expôs longamente, além de ilustrar livros com geral aplauso. Vejamos agora: que gosto estético, ou educação artística, abonará a classificação atribuída pelos professores às aguarelas que iluminam o livrinho publicado pela ASA em 1989 e que, figurando na lista do PNL, ia na 6ª edição em 2010? Acharam-nas “pobres” porque, tratando-se de histórias com vincado teor poético, J. R. optou por imagens cheias de sonho e leveza, nada afins, portanto, das vulgares bonecadas giríssimas, em cores berrantes e muita animação.
Percebe-se de relance o que subjaz neste caso. Desde logo, equaciona o lugar que a literatura “para crianças” pode e deve ter na Escola. Que literatura?
Desde há anos que as escolinhas do país entraram nos roteiros habituais dos autores dispostos a disputar no terreno a sua fatia de vendas a outros autores não menos ansiosos de promoverem as suas obras. As editoras publicam-nas (são “autores que vendem”) e, como alvejam a população escolar, os autores caem sobre esse “mercado” que, apesar de exaurido, ainda gosta de os receber. Os visitantes proporcionam a alunos e professores uma sessão divertida: dão-se a conhecer e reconhecer (aparecendo em anos seguidos), falam da obrinha que estão a lançar e das suas histórias divertidíssimas e os putos compram-na para levar o autógrafo.
Acontece assim que o “mercado” se encheu de subliteratura descartável, com histórias mais infantilizantes do que “infantis” e muitas ilustrações a condizer. Não servem à formação correcta do gosto literário nem à formação estética das novas gerações, posto que sejam fáceis de ler, ver e também esquecer.
Quer dizer, longe vão os costumes de as escolinhas convidarem os autores que os professores de Português liam e apreciavam; escolhiam um livro, punham uma ou mais turmas a apreciá-lo e, quando o autor surgia, a sua obra em geral e aquele livro em particular eram bem conhecidos (com leituras, composições, dramatizações, trabalhos manuais, etc.), não careciam de propaganda, e ele, entrevistado, não tinha de responder a perguntas de chacha. Vão longe essas escolinhas de apenas há trinta anos ou menos, a idade dos jovens tecnocratas que por aí andam, “especialistas” de crista ao alto, a impor políticas neoliberais portadoras de austeridade, desemprego e geral empobrecimento. [Imagem: livro-árvore iluminada.]

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado pelas tuas palavras sábias, meu caro Arsénio.
Grande abraço,
Rui