sexta-feira, 10 de maio de 2013

Com “Fausto”, de Goethe

A leitura que tenho para estes dias veio da estante-celeiro onde coloquei obras clássicas escolhidas. É um grosso volume de seiscentas e tantas páginas que me pesa nas mãos mas que só o remanso próprio da idade tão tarde me vem proporcionar. Estou a lê-lo na atitude respeitosa de quem entra num glorioso monumento da literatura universal.
Por fim, a vez tocou ao Fausto, poema-tragédia que Goethe (Johan Wolfgang, 1749-1832) levou 60 anos a compor e em parte deixou inédito ao morrer com 82 anos. A edição que tenho presente retoma a tradução de Agostinho d’Ornelas revista por Paulo Quintela (Universidade de Coimbra, reimpressão de 1958). Sei, por etiqueta aposta pelo livreiro, que me custou em escudos algo como sessenta cêntimos (ai, como o euro veio encarecer tudo)!
Recordo que entrei cedo, na louçania da juventude, em contacto com uma outra obra de Goethe, o Werther, então ainda em voga no ocaso do “ímpeto e arrebatamento” sentimental forjado pelo Romantismo (estávamos no neo-realismo; não se viam na Europa mais jovens de casaca azul, calças e colete amarelos, loucos de amor, a suicidar-se). Bastante mais tarde, cheguei a Afinidades Electivas, obra que me obrigou a perceber a dimensão real de tão multifacetado autor – estudou direito, astronomia, ciências naturais, medicina e mesmo a óptica das cores, além de cultivar desenho e gravura, ser ministro de estado, encarregado de assuntos públicos, etc., sem omissão da sua obra literária – poesia, teatro, romance, ensaio, autobiografia…
E agora, portanto, eis-me a estrear o gosto na obra-prima do génio alemão. Embrenho-me na densa arquitectura do poema, revivendo o anseio humano de mais e mais conhecimento que induziu o velho sábio, Dr. Fausto, a querer-se rejuvenescido para merecer o amor de Margarida. A tragédia desenrola-se entre coros e personagens diversas, até ao pacto com Mefistófeles, o Diabo que, como todos bem sabemos, termina por não ganhar a alma que tentava e sai em derrota graças ao arrependimento do sábio. 
Realmente, o leitor imagina o desfecho da tragédia sem necessidade de a seguir até o fim. O ambiente cultural em que o leitor tem vivido impregnou-o do essencial da obra literária com categoria universal. Logo, a questão, paralela à leitura, que está a resolver é a de experimentar até que ponto a obra “clássica” consegue atender às preferências dominantes dos leitores actuais ou, por outras palavras, até que ponto “envelheceu” (Goethe dixit: “A arte é longa / E a nossa vida breve”).
O mito, até pela época e a idade do autor que o exaltou, teria que exaltar também a potência omnisciente de Deus. Problematizando o sentido da ciência e do conhecimento, Goethe - escritor e cientista, “homem total” - reflecte sobre o destino e o significado da existência humana, tenha ou não alguma centelha miraculosa do seu génio. Todavia, escreveu (tradução de Yvete K. Centeno): “O Deus que habita no meu peito / pode agitar-me a alma fundamente; / ele que reina sobre as minhas forças / nada pode, fora de mim, animar nada.”

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