sexta-feira, 5 de julho de 2013

O tempo dos escritores


Esta crónica começa com a mão em devaneio sobre o papel. Rabisca o nome de uns quantos escritores falecidos que vai juntando porque os foi conhecendo ao longo do seu itinerário existencial e que a recordação agora recupera da ausência. A folhinha não se enche de todo porque a mão se suspende, desiste e pára.
Tantos nomes prestigiosos, tantas memórias a borbulhar em grupos na evocação como cerejas do cesto vindos da fundura límbica onde o esquecimento já os deixava! Quem se lembra hoje  dos escritores que conheci e que tão aclamados foram no seu tempo? Lembro José Gomes Ferreira, Fernando Namora, Manuel Ferreira, José Rodrigues Miguéis, Mário Dionísio, Manuel Mendes, José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Natália Correia, Augusto Abelaira, Alexandre Cabral, Faure da Rosa, Luís Sttau Monteiro, Sidónio Muralha, Alexandre Pinheiro Torres… sem esquecer Ferreira de Castro, Mário Sacramento, Mário Braga e tantos, tantos mais!
Foi também o tempo de Alves Redol, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Vitorino Nemésio, Miguel Torga, Eugénio de Andrade. Mas estes autores, felizmente, continuam entre nós, são presenças tão claras que os seus nomes acodem à memória sem esforço. Em meados do século XX e até anos ’70-’80, eles eram, eles foram a Literatura, de modo que é neste ponto que se perfila a questão do tempo dos escritores.
Bem o sabemos, poucas vezes a longevidade das suas obras no plano da leitura pública é francamente maior do que a duração das suas vidas. Os escritores queimam os seus talentos e afãs para que essas obras perdurem, sonham com a migalha de glória póstuma que lhes caiba e recebem não poucas decepções. Mas entretanto algo aconteceu que transtornou a situação: instalou-se o fenómeno da obsolescência de bens de consumo, incluídos os culturais (e regressamos à frase de Oscar Wilde, “para ser popular é indispensável ser medíocre”).
A literatura agora é esta, a do consumo rápido e em massa, produzida para não durar no mercado dos bens efémeros como cançonetas novas ou os filmes de Hollywood que passam pelos cinemas a cada semana e são previsíveis como fábulas já conhecidas. É a literatura do comércio lucrativo dos contadores de histórias, o negócio sem poesia. Implantou-se com um efeito maléfico: tomou o lugar da Literatura e varreu do cenário autores e obras que mereciam outra sorte.
É preciso dizer, sem papas na língua, que o negócio da edição literária corrente matou a Literatura. Temos de fugir da produção padronizada para o medíocre gosto da maioria consumista, da literatura descartável, do verbo de encher lombada grossa com capa vistosa. O que nos diz que importe deveras à arte, à vida?!
Voltemos para os escritores hoje secundarizados pelas obras do efémero descartável. Os de há meio século ou anteriores, como, por exemplo, Raul Brandão Aquilino Ribeiro. Nas suas páginas reencontraremos a palpitação fremente da literatura viva e, nos melhores casos, a personagem colectiva ou, se for caso disso, o herói singular que se ergue e bate para defender o seu povo. [«Salomé», escultura miniatural criselefantina de Dimitri Chiparus (1888-1950).]

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