sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Acordo Ortográfico: stop?

Amontoou adversários acérrimos, provocou polémicas e ateou discussões entre as facções rivais desde que foi assinado em Lisboa em 1990. Mas quando o Acordo Ortográfico entrou oficialmente em vigor em Portugal, e o Brasil e Angola adiaram semelhante decisão, as posições estremaram-se. Agora, em Lisboa, levanta-se a questão: que fazer?
Realmente, a situação em que Portugal se vê é um tanto desconfortável. Esperar passivamente pela decisão a tomar pelos maiores países integrantes da comunidade lusófona talvez até 2015? Mas quando irão aplicar os sete países subscritores a reforma acordada?
Enfim, dois deputados decidiram levantar a questão na Assembleia da República. Na presente situação, justifica-se bem a iniciativa seja qual for o resultado que venha a obter. O Acordo Ortográfico parece ferido de morte e, se acaso pode salvar-se, mande notícias.
Vejamos, eu nunca me pronunciei contra a reforma. Ao invés, apoiei-a desde o princípio percebendo o valor da unidade linguística a preservar no espaço da lusofonia. Quando entrou em vigor, legalmente, passei a escrever, respeitando-a, no blogue e nos meus livros. Recentemente, em face da triste situação colocada aos portugueses, distanciei-me do Acordo, fiz corpo com os opositores e retornei à antiga ortografia (ver aqui, em Etiquetas: “Ortografia”).
Estou portanto à vontade para apoiar uma iniciativa que se dispõe a abordar a questão. Acho mesmo que era tempo de reagir. A situação precisa de ser analisada, discutida e convenientemente decidida.
Deve salientar-se que a ortografia oficial portuguesa acata uma reforma admitida por autêntica concessão negocial. Não era a nossa ortografia, certamente não era também a de nenhum outro país lusófono, mas foi a solução consensual encontrada pelos negociadores. Seria bonito que os acordos internacionais fossem honrados.
Finalmente, irá declarar-se que espécie de futuro espera a Comunidade de Países de Língua Portuguesa. A CPLP tem sido considerada, desde que nasceu, organização com mais sonhos do que músculo para os realizar. Se vier a desaparecer, será lamentável.
Lamentável continua a ser, de facto, para nós, que o único Museu da Língua existente no quadro lusófono tenha sido criado no Brasil e, note-se, que consiga receber milhões de visitantes (entre os quais, naturalmente, poucos portugueses se contarão).

8 comentários:

Anónimo disse...

"A CPLP tem sido considerada, desde que nasceu, organização com mais sonhos do que músculo para os realizar. Se vier a desaparecer, será lamentável."

Lamentável....?

Não entendo porquê!

Eu acho uma benção, a CPLP tem sido uma das desgraças de Portugal e dos Portugueses e onde muito politiqueiro enche a barriga.

António Pereira disse...

Boa noite, Arsénio.
Embora não tenha uma opinião tão negativa como a sua em relação ao AO, entendo a sua posição e subscrevo alguns dos argumentos que apresenta. No entanto, há um pormenor que me deixa dúvidas quando diz: "Mas quando o Acordo Ortográfico entrou oficialmente em vigor em Portugal, e o Brasil e Angola adiaram semelhante decisão". O Acordo também entrou em vigor no Brasil no início de 2009. E continua em vigor, tendo sido alargado o período de transição até 31/12/2015.
Cumprimentos e Bom Ano!
António Pereira

Arsenio Mota disse...

Caro anónimo:
Manifestou a sua opinião e para ela terá as suas razões. Eu exprimi a minha. Tento ver na CPLP uma emanação do projecto global da lusofonia (que acho que deveria interessar valentemente governantes e povo português). Permita-me agora um desabafo: o seu anonimato... Porquê?

Arsenio Mota disse...

António Pereira,
Bom dia.
Agradeço a sua concordância. No ponto que o deixa em dúvidas, francamente, vejo apenas uma questão de linguagem. O que escrevi, parece-me, não nega o facto que recorda.
E, enfim, seja bem-vindo!

Anónimo disse...

O estudante que hontem, no Rocio, foi attingido por uma bala na cabeça, já falleceu.
(Dos jornaes).
Como não havia de adoral-o, se era seu filho unico!
Para mais, elle era o retrato vivo do pae, com todas as qualidades e todos os defeitos—se um filho póde ter defeitos para a mãe que o estremece!
Ficára com elle nos braços, viuva pela maior das fatalidades, quando ainda não tinham seccado de todo as flores de laranjeira que lhe tinham posto no cabello no dia do seu casamento, e nas suas faces havia ainda um pouco do rubor intenso com que as haviam tingido os beijos loucos que elle lhe dera, já seu marido, ao voltarem da Egreja.(...)
Quando elle lhe saiu de casa para continuar os estudos, pareceu-lhe que ficava viuva pela segunda vez. As suas cartas mitigariam a sua saudade, e ella havia de lel-as com tamanha devoção, evocal-o com tanto amor, que a leitura seria afinal uma conversa entre ambos, elle a enxugar-lhe os olhos com beijos, e ella a lavar-lhe as faces com lagrimas.
Já então elle era quasi um homem, alto e desempenado, uma pennugem leve prenunciando um bigode negro, que seria talvez farto e provocador como o do pae. Muito estudioso, e, ao mesmo tempo, muito intelligente, contava as distincções pelos exames, nunca se rebaixando a esmolar uma protecção, mantendo sempre perante os mestres uma attitude que, nem por ser respeitosa, deixava de ser altiva. Ainda n'isso elle era como o pae, orgulhoso sem presumpção, delicado sem maneirismos, altivo sem arrogancias.
Como não havia de adoral-o!
(...)
Recebia as suas cartas em dias certos, e nunca elle deixára de lhe escrever com a mais rigorosa pontualidade. Ás vezes eram apenas quatro linhas, meia duzia de palavras que ella humedecia com os olhos, para as enxugar com os labios.
Como não havia de adoral-o, a pobre mãe, se elle era o seu filho unico, para mais o retrato vivo do pae, com todas as suas qualidades e defeitos—defeitos que para ella eram qualidades!
Ora succedeu que n'aquelle dia, estando como de costume á espera do carteiro, viu que elle passava pela sua porta, sem entrar. Era lá possivel não ter carta? Provavelmente confundira-a no maço, e só daria por ella finda a distribuição. Viria então entregar-lh'a.
Passou uma hora, passaram duas horas, passou uma eternidade, e o carteiro não voltou.
Estaria doente? Ter-lhe-ia acontecido alguma desgraça?{8}
Distrahidamente, quasi sem intenção, pega n'um jornal. O coração deu-lhe um salto dentro do peito, como se a um leão dentro de uma jaula lhe enterrassem nas carnes uma choupa em braza.
Houvera tiros, houvera espadeiradas, como n'uma batalha. Do campo tinham retirado muitos feridos, tendo lá ficado alguns mortos.
Foi lendo, lendo tudo, devorando as columnas do jornal, á procura d'um nome, na ancia d'um condemnado á pena ultima, que um indulto póde salvar.
Esse nome lá estava. Ferido com uma bala na cabeça, fôra levado ao hospital, onde os medicos verificaram o obito.
Não chorou, não soluçou, não gemeu, anniquilada por completo.
Quando voltou á consciencia da realidade, ainda tinha nas mãos o jornal.
Serena e tragica, como se debruçada sobre uma sepultura visse lá dentro o proprio coração; tragica e dolorida como se lhe pezasse n'alma todo o soffrimento humano; morta para o amor, abrazada em odio:
—Mataram o meu pobre filho! Maldito seja para sempre, na sua descendencia, o miseravel assassino!
Como não havia de adoral-o, a pobre mãe, se elle era o seu filho unico!

Caro Arsénio:
Por acaso, ao procurar outra coisa, deparei com este texto de BRITO CAMACHO, publicado em Lisboa, pela Livraria Editora
GUIMARÃES & Cª, em 1913, (portanto já depois das alterações ortográficas de 1911, decididas "sem passarmos cavaco" ao Brasil). E quantas diferenças com o que nós dois aprendemos, enquanto as de 1990 são tão poucas!
Grande abraço, com força para o novo 2014,
Rui

Arsenio Mota disse...

Caro Rui:
Ficam bem demonstradas, sim, as mudanças que a nossa língua materna tem vindo a sofrer! Quem lê nos originais impressos Camões, Gil Vicente ou mesmo, p ex, Padre António Vieira, avalia bem isso tudo. Mas nota, amigo, em 1911, no início do regime republicano, ainda «era cedo» para pensar em unificação, olhar para o Brasil. Os acordos luso-brasileiros vieram depois e viu-se o resultado que tiveram. Esta nova ortografia acordada pelos países lusófonos introduz porém uma viragem brutal. Ora Portugal entrou no consenso e está a aplicar, oficialmente, uma ortografia «estranha». Distancia diria que definitivamente o Português da sua herança latina e torna-o quase que irreconhecível. Eu aceitarei a evolução se os três países lusófonos mais populosos a oficializarem também. Se não aceitam, para quê a nova ortografia?! Não achas a situação de Portugal, na presente situação, algo incómoda? A questão precisa de ser encarada e discutida a sério com senso e muita calma...
Abraço.

Maria Paz disse...

Não vou pronunciar-me sobre o acordo ortográfico... venho apenas desejar-lhe um muito bom ano de 2014

Arsenio Mota disse...

Viva, Maria Paz!
Grande surpresa, e muito grata, me proporciona! Obrigado. Retribuo naturalmente o que me deseja para este ano, difícil como os anteriores, mas acima de tudo saúdo o seu «reaparecimento». Vou tornar ao seu blogue. Mantém-no actualizado + ou -? Oxalá!
Abraço.