quinta-feira, 16 de abril de 2015

Manuel Filipe: surpresa!


Quarenta anos depois do 25 de Abril, restam ainda memórias e factos por resgatar do período da ditadura. Acontecem então descobertas surpreendentes. Uma traz-me agora ao conhecimento, finalmente de corpo inteiro, uma pessoa que mal conhecia: Manuel Filipe.

Mas o que é “conhecer” alguém? Quem diria que este professor do ensino secundário particular, que eu cumprimentava de passagem na minha terra natal e que escrevia sobre educação num jornal onde também comecei a colaborar na verdura dos meus vinte anos, guardava em segredo vivências do seu período académico coimbrão que não escaparam à vigilância da PIDE? Quem iria supor que Manuel (da Conceição) Filipe, com toda a sua bonomia de católico, conservador, apolítico, simpático e amigável, integrou o grupo coimbrão de esquerda retinta durante a sua formação, entre 1934 e 1940?

É fácil a persuasão de que conhecemos um vizinho ilustre (e este, nascido no Troviscal em 23-05-1912, viveu quase sempre ali por perto até morrer, em 03-10-1994). Todavia, logo que concluiu o curso de Letras, M. C. Filipe foi leccionar em diversos liceus nos arredores de Coimbra. A seguir, naturalmente, quis mudar do ensino público para o particular de modo a fixar residência em Oliveira do Bairro e casar.
Podemos agora avaliar esta evolução devido a uma investigação académica realizada pela doutora Luísa Duarte Santos. Focada no grupo de pintores do movimento neo-realista coimbrão inicial, deparou-se com um Manuel Filipe, pintor de Condeixa, que poderia ser o autor de um extenso rol de artigos publicados em “O Diabo”, “Sol Nascente” e “Seara Nova”. Ou seria esse autor um outro Manuel (da Conceição) Filipe, bairradino nascido no Troviscal que a doutora Luísa encontrou referenciado no meu Dicionário de Autores Bairradinos?
Tive o gosto de ajudar a investigadora a esclarecer a dúvida. São duas pessoas distintas, sendo M. C. Filipe o autor provado dos 26 textos (artigos, crónicas e poemas) saídos em “O Diabo” de 1934 a 1940; cinco (artigos, pequenos ensaios) em “Sol Nascente” entre 1937-38; e mais dois na “Seara Nova”, além de escritos soltos, um dos quais, em “Cadernos” (Coimbra, 1937), publicação que foi apreendida e queimada pela PIDE. A polícia política do Estado Novo registava em ficha que ele tinha “ideias avançadas” e que apoiara uma ignota “campanha Nortista”.
No entanto, os seus escritos versavam sobretudo questões de educação e ensino sem declarada expressão política ou ideológica. Num testemunho que lhe pedi e publiquei (suplemento do jornal local, 03-07-1992), M. C. Filipe recorda o seu período coimbrão, quando foi amigo de Joaquim Namorado e Fernando Namora. Foi o que ele pôde avançar do passado “esquerdista” que, como se vê, mantinha sonegado…

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