quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Prendinhas de Natal

As minhas primeiras leituras não escolares foram, em autêntica estreia, o que deveriam ser: histórias para crianças. Mas iniciava-se o quarto decénio do século passado, a designada literatura infanto-juvenil era então raridade ainda maior do que bibliotecas públicas no Portugal salazarento. Havia pouca e pouco havia que escolher. 

ler.livros.jpgO entusiasmo, o deslumbramento que essas primeiras leituras me proporcionaram parece que continuam presentes no cabouco da pessoa que o rapazinho viria a ser, pois as vivências de então, determinantes, nele ficaram guardadas em memória indelével. Nunca mais deixei de gostar, gostar apaixonadamente, de literatura infanto-juvenil, quer dizer, de Literatura, logo contos para crianças. Quando entrei a colaborar na imprensa não tardei a escrever sobre o tema – a situação geral, os seus impasses. 
Assim tenho vindo a acompanhar a produção e circulação de tal género de livros no país ao longo dos anos (mais de cinquenta), de modo que alinhei ao longo do tempo uma grande quantidade de artigos, crónicas, pequenos estudos. Algumas dessas abordagens encontram-se recolhidas em volumes que publiquei de abrangência temática afim, outros permaneceram dispersos. E agora, perante essas dezenas e dezenas de textos, esboçou-se a ideia de os reunir para perceber se algo deles poderia extrair-se. 
Porém, a simples tarefa de ir aos jornais e revistas e livros recolher os escritos deixou-me a recapitular a matéria. Requeria um esforço enorme. E mais: com resultado à vista, a bem dizer, incerto e assaz duvidoso. 
Afinal, o que tenho vindo a escrever sobre literatura para crianças, ou infanto-juvenil, reflecte, acima de tudo, julgo eu, as transformações essenciais por que passou o género em cerca de 60 anos. Assim evoco o contributo proporcionado pela Fundação Calouste Gulbenkian (bibliotecas itinerantes e fixas) que dinamizou muitíssimo os sectores nacionais da edição e da leitura pública desde a sua criação, em 1958. Quando muito, interessaria uns poucos: uma franja de leitores atentos e algum sociólogo ou historiador da literatura. 
Quer dizer, a matéria não serviria para, demonstrando, ensinar coisa alguma a alguém. Estamos todos colocados numa realidade em flagrante, sabemos quanto o crescimento das publicações infanto-juvenis já contribuem para activar as editoras. Mas seria interessante analisar e documentar quanto a evolução em foco, sendo positiva, banalizou os livros “para crianças” ao ponto de esbater, e até abolir, com a expansão do mercado, a noção de que somente os (poucos) livros capazes de encantar os adultos têm mérito real suficiente para chegarem aos pequenos leitores.

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