quarta-feira, 9 de março de 2011

Sempre em Galiza

Os portugueses denotam uma certa relutância, ou indiferença, perante as hipóteses de relacionamento solidário, a sério, com os vizinhos da Galiza. É uma sensação que aparece no terreno, a um certo nível das relações intelectuais, à medida que descemos do Alto Minho para sul, especialmente a partir de Coimbra. Ao transpor as águas do Tejo, dilui-se nas brisas.
Talvez haja uma explicação para isso, uma explicação advinda do complexo de circunstâncias acumuladas pela história. Observando o documento cartográfico de 1066 (aqui ao lado), que indica a verde a velha Gallecia do período romano, pode-se ter uma primeira visão do assunto. Abrangia uma franja peninsular desde a Corunha, no topo norte, e terminava além de Leiria, embora outras fontes, porventura mais consistentes, se detenham na linha do Mondego.
Os amigos galegos gostam de nos lembrar que a Gallecia foi por muitos séculos o nosso território comum com capital na augusta Bracara. Eu, quem sabe se por força das minhas origens, acho que é fácil e bom gostar do povo galego, posto que tenha levado o pé ligeiro a Tui já com 18 anos e andasse nos 40 quando entrei a valer em contacto com a sua cultura (lembro-o aqui). Manifesto-lhes, a esse povo e sua cultura, uma solidariedade desvaliosa mas sincera, apoiando, se apoio me pedem, e lamentando atitudes de quem lhes responde com escusas e polidas reticências.
Comecei a sentir esta resistência há uns bons quarenta anos, quando a Galiza lutava por autonomizar (leia-se: proteger) a sua fala materna da contaminação pelo Castelhano. Uma porção de intelectuais portugueses ou desconhecia o berço de origem do Português ou, pura e simplesmente, virava as costas ao assunto. A nossa indiferença declarou-se ao nível oficial e diplomático aquando da organização da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, composta por oito Estados (Timor-Leste incluído)... e sem a Galiza.
Gostaria de pensar, sem saber o que pensar, que continuamos ainda virados para sul, em luta pela Reconquista, em assédio a Lisboa e projetados até Faro. Demoro-me, porém, a contemplar o povo irmão que temos a norte do rio Minho, hoje com uma pitada de nostalgia porque encontro num blogue de lisboetas motivo para evocação e saudade. Benedicto Garcia aparece ali a considerar que José Afonso e ele cantavam a mesma canção (de protesto) e que a Galiza, para Zeca, foi «pátria espiritual».
Não se lembrou aquele amigo galego que veio cantar ao Porto, no início dos anos '70, por convite meu. Tinha então creio que um único disco com quatro cantigas, editado em Barcelona em 1968, e pertencia ao grupo Voces Ceibes (Vozes Livres). Foi o comum amigo Manuel Maria que nos pôs em contacto (estava eu a publicar-lhe a primeira obra de poesia junto com outra, de outro poeta galego, Celso Emilio Ferreiro) e os caminhos ficaram abertos para novos  encontros.
Tantas lembranças a vir (e serão só minhas?!): Benedicto deu cá entrevistas na rádio, as suas cantigas entraram no ar, actuou ao vivo, estabeleceu contactos entre nós. Um deles foi com Manuel Freire, então com a «Pedra filosofal» em evidência. Logo, em 1972, visitou Zeca em Setúbal e começou a amizade luso-galega documentada com nome de rua em Santiago de Compostela, onde nasceu em 1947 o próprio Benedicto.

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