sábado, 1 de setembro de 2012

Freguesias, herança milenar

Surpresa: as freguesias são uma das mais marcantes caraterísticas da organização territorial do nosso país. Não encontram paralelo além fronteiras, garantem os entendidos. Mas é contra esta verdadeira originalidade portuguesa que o governo pretende agir, reduzindo-as em número.
Agiu antes contra os sistemas escolar, de saúde, de justiça e do trabalho, pouco mais havia a jeito para completar o quadro da destruição. Engrolado na retórica da «crise», o povo crédulo aguentou e segue carregando nos ombros (até quando?) o andor da desgraça. Agora  veremos quantas freguesias vão acomodar-se com as disposições do governo sem entrar em protesto desatado.
As populações de cada uma dessas partes - sejam de tipo rural, semiurbanas ou urbanas contidas no território municipal - estão integradas na sua freguesia de formas bastante peculiares.  É a autarquia que tem mais próxima, para a qual podem eleger os mandatários conhecendo-os pessoalmente. As reduzidas competências atribuídas a estes órgãos básicos da organização político-administrativa do país e suas escassas receitas (cemitérios, feiras, baldios) ajudarão decerto a compreender a desatenção geral em que tem permanecido.
Na verdade, um único livro aparece a quem pretenda abordar de relance o assunto: As Freguesias - História e actualidade, estudo de José António Santos (Celta Editores, Oeiras, 1995). Junte-se o artigo que Carlos Mendes Pauleta lhe dedica (in «Finisterra», XXXII, 64, 1997, pp. 145-148), mais umas migalhas, e é tudo. E, caramba, é pouco!
Mas a surpresa bate à porta. A origem histórica das autarquias locais é remotíssima. Vem do tempo da cristianização da península pelos Romanos, portanto dos séculos III e IV, quando se formaram os embriões das paróquias, indica José António Santos citando o Padre Miguel de Oliveira.
Passaram, evidentemente, por diversas transformações, confundindo-se a princípio com o avanço do culto cristão. A própria designação dessas autarquias locais variou e sofreu alterações semânticas: «igreja», «diocese», «paróquia», «freguesia», «colação» - refere o Autor. Por outro lado, o artigo «Paróquia» do Dicionário de História dirigido por Joel Serrão conduz-nos à percepção de que as casas senhoriais das villae, espalhadas pelo campo, incluíam templo privado (paróquia = «igreja» primitiva).
Tudo isto ilumina com renovada clareza o processo do avanço da cristianização no terreno pondo em destaque a notável antiguidade dessas organizações de vizinhos. Estiveram sob a égide total da Igreja até ao advento do liberalismo, no século XIX, e em 1916, sob o regime republicano, laicizaram-se em completa autonomia civil. Existem hoje 4260 freguesias em Portugal, número que o governo (centralista) quer reduzir o mais possível... preparando o passo seguinte que será o de atacar o número dos concelhos e criar os círculos eleitorais uninominais que permitirão aos dois partidos maiorais revesar-se «democraticamente» no poder?

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