segunda-feira, 7 de março de 2016

Ser cidadão, hoje


A questão tem que ser enunciada nos devidos termos. Ser cidadão, hoje, é muito difícil e mais difícil ainda, decerto, será entender porquê. Votar quando há eleições, participar nos debates públicos, ter partido e opinião política é pouco, parece não chegar já para se ser cidadão.

Tudo isso pode ser positivo e mesmo desejável porque a percentagem das abstenções se torna preocupante, os filiados se arredam dos partidos (confundindo-os decerto com sindicatos) e os debates públicos, incluídos os parlamentares, pouco e mal aquecem o ambiente. Sobram os opiniosos comentadores que em aluvião enchem os espaços da comunicação social. Assim chega o momento de apurar, decantando, o velho ou envelhecido conceito de cidadão.
Cidadão não é, pela minha ideia, quem milita em partido e, subordinado às respectivas tácticas, faz da política a sua profissão; quem abre a boca e reproduz a cassete da retórica concordante com o sentido do seu voto; quem chama aos governantes gatunos, não sabe para o que serve aprovar um orçamento de Estado e nada entende de política sabendo de tudo no futebol. Passemos a nossa população adulta por este crivo: quantos cidadãos tem o país, afinal?
Terá bastante menos do que se julga. Cidadãos, quero dizer, pessoas suficientemente conhecedoras das dificuldades económico-financeiras nacionais, que reclamam uma urgente saída do sufocante garrote das dívidas soberanas; pessoas com conhecimento e coragem para perceberem que o melhor para os portugueses será a saída da moeda única e mesmo da União Europeia em falência; pessoas que sabem o que é o TTIP e que portanto se opõem ao aberrante Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento (tem “na sua base um acordo de parceria entre a União Europeia e os Estados Unidos”); pessoas, enfim, que lutam por salvar a Democracia que, de outro modo, irremediavelmente se perde.
Mas pergunte-se: acaso será necessário, para se ser cidadão, que as pessoas assumam tal perfil, isto é, uma ideologia e um pensamento de esquerda radical? Sim e não, conforme cada situação individual concreta. Todavia, no fim de contas, parece imprescindível a ocorrência de uma ruptura terminante com o caldo de cultura instalado pela informação de massas (nesse caldo, em expansão como metásteses, se apoiam as políticas de direita), trocando-o por fontes informativas alternativas independentes que cada um terá que buscar. Curiosamente, este cenário traz à memória um antigo cenário que os portugueses, hoje idosos, conheceram – e sofreram – no regime da ditadura salazarista-marcelista: então, como agora, as forças da “Situação” e as da então designada “Oposição Democrática” resumiam os dilemas. Estamos novamente em presença de dois campos, uma divisão crucial: a preto e branco.

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