segunda-feira, 20 de junho de 2016

Duas "Mães" lado a lado

mães.jpgJuntei-as há muitos anos e assim permaneceram. Vendo-as lado a lado, esperei que entrassem em confronto directo, que uma discussão se acendesse entre elas. Porém, o tempo foi passando e aquelas “Mães”, assim coladas uma à outra, conservavam-se ensimesmadas, não falavam, até que por fim eu as forcei ao despique.
Foi fácil, bastou-me ir à estante e pegar em dois livros. Um já o havia lido. Era A Mãe, o inesquecível romance de Máximo Gorki.
O outro livro estava por ler e em espera pacientíssima há uma caterva de anos. Enfim, chegou a vez de apreciar A Mãe, de Pearl S. Buck. O que distinguiria estas duas obras?
A de Gorki (1868-1936) data de 1907. Foi escrita em Capri, Itália, onde Gorki se exilou após o fracasso da primeira revolução contra Nicolau II da Rússia e de abandonar os Estados Unidos. É A Confissão considerada a sua obra-prima, mas foi com o romance de Pavel, filho de Pelágia, a mãe, que o autor mais se popularizou.
Operário, como seu pai, Pavel procurou compreender, lendo, por que motivo a fábrica onde ambos trabalhavam se desenvolvia e quem lá trabalhava não saía da cepa torta. Largou o álcool, fez amigos, inquietos como ele, entrou a debater questões políticas com sua mãe a assistir, primeiro com estranheza e logo, politizando-se, a perceber o alcance e o sentido do que se discutia. Assim, por amor do filho, aderiu à revolução.
Tenho lido autores que referem Gorki como “comunista” mas parece não ter a mínima base tal conotação. Suponho que na Rússia, em 1907, ninguém empunhava tal bandeira. Havia, sim, revolucionários em luta pelo derrube do regime czarista, anacrónico e repressivo.
Pearl S. Buck (1892-1973), prémio Nobel em 1938, publicou A Mãe em 1933. Filha de missionários presbiterianos dos Estados Unidos, viveu muitos anos na China e lutou por igualdade de direitos das mulheres. Distinguiu-se como autora de uma copiosa bibliografia e como sinóloga, pelo que, em sua homenagem, o governo chinês transformou em museu a casa que ela habitou em cidade próxima de Xangai.
A sua “mãe” espelha acima de tudo a submissão que o género feminino chinês mantinha naquela época. Realça, portanto, a nobre causa que a autora abraçou. Todavia, embora vincule exclusivamente a sexualidade da mulher à função maternal, Pearl descreve (caps 8 e 9) a descoberta do erotismo na rapariga com a finura poética de uma autêntica artista da palavra.
O leitor desta “mãe” acompanha o esforço heróico da mulher abandonada pelo homem, a sós com a família e em luta com o seu destino. Na obra de Gorki encontra operários e mães a sair da ignorância para compreender e abolir as mais flagrantes contradições sociais. [Imagem: ilustração central de cartaz português do início do séc. XX.]

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