segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A Cultura da desertificação

ler!.jpgAcredito que haverá por aí, em revistas e livros, estudos esclarecidos e esclarecedores sobre o que escapa ainda hoje à cabal compreensão de tantos leitores: por que motivo desapareceram assim tão radicalmente suplementos e páginas culturais ou literárias da imprensa portuguesa? O que vale dizer: que força danada terá impelido toda a imprensa a converter-se à formatação tabloide e a rádio e a televisão a seguirem-lhe o exemplo? Sim, sim, lembrando que tal aconteceu após a extinção da censura prévia, em plena democratização do nosso país! 
Uma regra que vinha já dos anos cinquenta do século XX preceituava que os jornais diários e semanários do país dedicassem algum espaço a tais secções desde que um jovem colaborador qualificado ou escritor reconhecido avançasse com a proposta. Não havia abundância de estádios, o desporto merecia uma página à segunda-feira e os fluxos noticiosos gerais, severamente filtrados pelos censores, escasseavam no tempo da ditadura. Por outro lado, o universo da cultura viva demarcava-se retintamente do regime - era de esquerda. 
Acontecia ainda que nas secções culturais da imprensa os censores exerciam ou aparentavam uma certa tolerância, talvez na persuasão de que quem lia “aquilo” (recensões de livros, entrevistas, pequenos ensaios, informações editoriais) eram “poetas”. Quando a democracia ficou com aspecto consolidado instalou-se no país a formatação tabloide, ou seja, um jornalismo ligeiro, ilustradíssimo, sensacionalista, para o qual “cultura” passou a ser um desfile de moda, música festivaleira e espectáculo non stop. Quanto a informação, simplificou-se: dispensou a sã regra do contraditório e passou a servir a verdade única da parte-que-se-faz-o-todo. 

Assim se foi o tempo em que havia cultura viva e a cultura teve matriz de esquerda. Quem lamenta que “agora não há suplementos” nos jornais (a perderem leitores e a reduzirem tiragens) deve lembrar: a imprensa e a comunicação social em geral mudaram de paradigma, basta ver a penosa situação em que se debatem os jornalistas. Enfim, a Cultura entrou em desertificação, agora apenas viceja nuns oásis cujas orlas frágeis são invadidas por ondas constantes de (in)cultura kitsch, popularuncha, comercialona.
Proclama a frase feita que sem memória não há futuro. Pergunto a mim mesmo: que futuro pode ter este país onde, quando morrem escritores, com eles morrem também as suas obras? Na cidade onde moro desapareceram em anos recentes figuras como Óscar Lopes, Luís Veiga Leitão, Egito Gonçalves, Papiniano Carlos, Eugénio de Andrade, Agustina Bessa Luís, Ilse Losa, Luísa Dacosta, António Rebordão Navarro… e alguém os lê, alguém os lembra?!

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