segunda-feira, 4 de junho de 2012

Para que serve escrever?

Pôr por escrito o que se pensa não é tarefa fácil. Pode, de momento, apetecer, mas a dificuldade levanta-se logo com a luta a travar pela expressão. Irremediavelmente, o que se pensa e escreve não aparece logo bem traduzido pela expressão encontrada.
Quem escreve lê o que escreveu. Isto é, após decorrer um tempo, mínimo que seja. Debruçado sobre o texto, é ele mesmo o seu primeiro leitor - no fim de contas, de certo modo, um «outro»...
De facto, quando a ideia fica exarada por escrito é que a consciência pode sentir-lhe os alcances e as consequências. Do que resulta, naturalmente, que se pensa melhor pensando por escrito. Corrigir, emendar e polir o texto equivale, assim, a corrigir, emendar e polir a ideia definitiva a pôr no escrito e reescrito.
Da época das disputas liberais e republicanas ficou-nos a notícia de homens que «escreviam» ditando a outrem, decerto melhor calígrafo, os textos de jornais ou revistas. Destinavam-se, obviamente, a ser lidos em voz alta para grupos de ouvintes-participantes de debates ideológicos. Ressoava então no país o verbo inflamado de oradores de botica e tribunos com retórica mais ou menos parlamentar e ecos sonoros que se espalhavam pela província.
Depois, não apenas entre nós,  o verbo perdeu o som. Tornou-se silencioso. A leitura, por norma, passou a ser feita de boca cerrada.
Acontece porém que certos indivíduos (conheci alguns) conseguiam ser bons oradores falando de improviso mas que, escrevendo, debitavam uma prosa baça, sem chama. Donde, a questão: improvisar um discurso ou ditar um texto não será exatamente a mesma coisa que escrever? E para que serve o escrever?
Eça ironizou na página em que resgata o escritor à mísera sorte das couves decerto porque no seu tempo havia mais hortas domésticas e muito menos mãos a derramar textos pelas rimas de publicações que hoje enchem as bancas. A glória e a fama não salvam tanta gente do destino das couves (e sem ganharem sequer para as comprar). Sentirá quem escreve, por compensação, que influencia, persuade ou comove algum pouco os leitores?
Mas haverá leitores para tanta escrita a jorrar? E as prevenções contra os malefícios do tabaco acaso chegaram a convencer alguém? O mundo encheu-se de ideias excelentes e defensores de causas nobres, mas veja-se: os escritores que outrora enrouqueceram a avisar na Europa do perigo iminente da primeira e logo da segunda Grande Guerra - e quem os ouviu?
Quem acompanha no presente a tragédia grega percebendo que a mesma se apronta para nos bater à porta?  Quantos estão alerta para a hecatombe que se abate sobre a Europa, onde as ofensivas da alta finança especulativa internacional, com o Goldman Sachs à frente, prosperam como em mais nenhum lado? Quantos percebem com clareza para onde nos leva o empobrecimento geral da população e a ruína dos Estados?

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