domingo, 24 de março de 2013

Um prémio por castigo


Mulher rica que caia na pobreza não é notícia, mas a pobre mulher do povo que nestes tempos agrestes arrisca duas moedas no totoloto e ganha 51 milhões já tem manchete. Aconteceu desta vez na zona nortenha do país. A sortuda, casada e com filhos, correu logo a Fátima com a família para agradecer à Virgem a colossal fortuna que lhe caía em cima da cabeça e, assim de golpe, virava o mundo do avesso.
Um mundo de loucura. A nova milionária, antiga empregada doméstica, junto com os familiares, têm agora que obedecer a rigorosas medidas de segurança (até escondeu a cara quando deu entrevista à tv) que os agentes lhes ditam: ninguém pode sair à rua, ir fazer compras, dar uma volta. Está presa dentro de uma casa nova, em local secreto, onde foi metida de urgência com a família e todos rodeados de gente estranha paga para os proteger.
E agora todos têm motivos para se perguntar, com genuíno espanto, se um prémio tão bom será castigo. Têm de se entregar, confiantes, a toda aquela gente estranha, seguranças e conselheiros de investimentos, gente desconhecida. E estão a ocorrer coisas absolutamente extraordinárias: o Estado também saiu premiado pois confiscou, do prémio, uns dez milhões de impostos; dizem que um governo de um qualquer país europeu, mandado pela Alemanha, vai confiscar uma parte dos depósitos bancários das pessoas como impostos para pagar as suas dívidas; o patriarca da Igreja daquele país ofereceu os bens da Igreja para ajudar a pagar as dívidas!
Nunca coisas tais aconteceram nos dias da vida! E a sortuda, reunida com os familiares, deita contas ao que lhes resta do bolo dos 51 milhões e já lhe parece pouco. Mas não, o problema agora é outro, o de conservar os milhões que restam a salvo de alguma expropriação legal ordenada por este governo também atolado em dívidas ou de um banco hoje seguro e amanhã falido.
As despesas e encargos da família crescem desalmadamente ainda que isso por ora não lhe doa. Dói-lhe é ouvir que enriqueceu à custa de milhões de pobres que apostaram e perderam no jogo e agora, sem compreensão pelos caprichos da sorte, até discutem a justiça divina ou os rios de dinheiro que saem do país para o jogo em troca de uns raros “camiões-cisterna” que cá entram quando entram. Roem-se de invejas miudinhas, ela conhece-as bem, mas… deixou de ser pobre!
Graças a Deus agora é milionária, quer conservar o que ganhou, pelo menos metade do prémio e com esses milhões ganhar outros tantos. Diz adeus à pobreza antiga, que recorda com crescentes saudades ao atingir uma conclusão. Mais do que ter monte de riqueza tão colossal que nem sabe avaliar, já sente que essa riqueza toda é que a tem a ela, bem amarrada, como fiel guardiã.

Sem comentários: