segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Vicente Campinas: evocação


Vendo-o, ninguém diria quem estava ali. Vulto pequeno, de aparência vulgar, António Vicente Campinas abrigava convicções firmes, energia combativa e sonho inesgotáveis. Republicano e democrata com sensibilidade social, identificou-se com as causas operárias e populares (foi, desde cedo, militante comunista) num sentido que o aproximou e integrou na corrente neo-realista expressa em literatura e cinema.
Algarvio, Vicente Campinas publicou mais de trinta obras, de poesia, ficção (conto e romance) e prosas diversas. Começou em 1938, com Aguarelas, poesia, e avançou até 1994, com Guardador de Estrelas, antologia. O seu poema “Cantar alentejano”, em memória de Catarina Eufémia, ficou bastante famoso com música de Zeca Afonso (álbum “Cantigas de Maio”, 1971).
Muitos dos seus livros saíram em edições do próprio autor (alguns sob pseudónimo) e alguns tiveram-me como “editor”. Esta singularidade pede explicação. Vicente Campinas nasceu em Vila Nova da Cancela, concelho de Vila Real de Santo António, em 28-12-1910, e morreu em Lisboa em 3-11-1998, de modo que a vida vivida entre estes anos, quase 88, nada teve de fácil…
Abriu caminho a pulso. Foi tipógrafo, guarda-livros num escritório, livreiro. Jovem autodidacta, as suas ideias políticas atraíram a repressão do regime de Salazar então a implantar-se. Sofreu prisões, resistiu mas teve que exilar-se – “saltou” para Paris.
Contactou-me nessa altura, sem nos conhecermos pessoalmente, para me pedir um favor: receber em minha casa umas quantas caixas com livros da sua biblioteca que depois lhe enviaria, em pequenos pacotes, pelo correio normal para o seu endereço parisiense. Assim fiz e, viva!, não houve extravios. Campinas sentiu-se grato (deixara de trabalhar na dureza do bâtiment, arranjara por fim lugar de contabilista, já tinha consigo sua mulher) e convidou-me a ir visitá-lo e… conhecê-lo no aeroporto.
Ele sabia da colaboração que, como “parteiro” de edições eu dava à Nova Realidade, de Tomar, e pediu-me para o ajudar de tal jeito. Arranjei tipografia e orçamentos, fiz as revisões de cada livro, recebia a tiragem pretendida e despachava-a para o endereço indicado e pagava a factura com o dinheiro que me mandava. O caso repetiu-se, que me lembre, desde Proa ao Vento, 1966, Preia-mar, 1969, Raiz de Serenidade e Reencontro, 1971, entre outros.
Campinas era autor compulsivo. Colaborou intensamente na imprensa, fundou o “Jornal do Cinema” e o “Foz do Guadiana”. E apenas quando regressou do exílio, após o 25 de Abril, pude verificar que o recém-chegado era militante comunista.
O centenário do seu nascimento foi comemorado em Vila Real de Santo António em 2010. Neste município, Campinas também é patrono da biblioteca municipal e tem o nome numa rua. É com homens desta têmpera que existe cultura viva!

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