segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Forjaz de Sampaio e Lisboa

Não será saudosismo ou algo que se pareça. Será tentativa de confrontar a impressão de leitura que fiz muito jovem com a leitura que pude repetir agora, quase setenta anos depois. A primeira impressão foi forte, marcante, inesquecível; e a de agora?
Mas vou iniciar o comento recordando que, ao consultar o livrinho de pequeno formato
A Tipografia portuguesa no século XVI, me recordei de duas leituras marcantes. O autor do livrinho (ed. Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1932) era Albino Forjaz de Sampaio, autor de Palavras Cínicas e de Lisboa Trágica, dois títulos que me ficaram na memória.
Estes livros circulavam e ainda eram citados no meu ambiente natal, onde o estereótipo da “cidade” como antro de vícios e a “aldeia” como jardim de ventura se mantinha após a Segunda Grande Guerra. Albino Forjaz de Sampaio (Lisboa, 19-01-1884 / 13-03-1949), jornalista aos 16 anos na “Lucta”, cedo ficou a conhecer o submundo das vielas da capital. Grande amigo de Fialho de Almeida e Brito Camacho, foi autor de uma bibliografia torrencial, mas aqueles dois títulos deram-lhe imensa projecção e popularidade.
Palavras Cínicas, de 1905, pessimista à Schopenhauer e depressivo à Fialho, foi dos livros mais vendidos no Portugal da época (teve 46 edições); Lisboa Trágica, de 1910, subintitulado “Aspectos da cidade”, atingiu apenas sete edições ou pouco mais.
Forjaz de Sampaio dedicou-se a seguir, entre 1920-22, à recolha e estudo de teatro de cordel conseguindo que o mundo literário reconhecesse essas obras de expressão popular. Começou a deixar de ser, como pretendia, um “jornalista levado dos diabos”, para se afirmar um distinto bibliófilo e publicar
Como devo formar a minha biblioteca, obra que perdurou como manual recomendado. De facto, coleccionou apaixonadamente os nossos autores clássicos de Quinhentos, aos quais rende tributo no livrinho acima citado sobre a história do livro e da impressão em Portugal, de tal modo que, em apresentação, o antigo jornalista pôde acrescentar ao seu nome “Da Academia de Ciências de Lisboa”.
A honra que lhe foi concedida pela Academia não calou os detractores (diziam-no autor cuja “leitura estava a matar a literatura”). Ora
Lisboa Trágica, relido na velha reedição de 1940, traz a epígrafe de Fialho: “…esta imensa cidade de quatrocentos mil habitantes e seis milhões de egoísmos”. Saboreáveis, hoje, são os dois prefácios do autor, que nota: desaparecem os “homens integrais”, baixa o “sentimento da Honra”, “as vacas já não andam pela rua a distribuir leite”; naquele tempo [1910] “desconhecia-se o foot-ball e o cinema” (sic), agora “há o pontapé na bola e as fitas policiais”, mas jogar “antigamente era um crime”…

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