segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Elites em falência

Finalmente, a acumulação de elementos que anunciam a eclosão de uma tempestade perfeita a desabar sobre o Ocidente começou a ser notada. Vozes de bom aviso apontam semelhanças da situação que está a desenhar-se após a eleição do novo presidente estado-unidense com o período histórico vivido nos anos ’30 do século XX. Um calafrio percorre as bolsas de meio mundo.
Ora eu, nascido em 1930 (adolescente no fim da Segunda Grande Guerra, que acompanhei ouvindo a BBC e lendo jornais), julgo ter sentido ainda alguma coisa da Grande Depressão no pós-guerra. Lembro também a Europa de então: fascismo e nazismo, ditadores em Portugal, Espanha, Itália, Alemanha; direitos fundamentais banidos, atraso, repressão, desemprego, miséria, fome. Os intelectuais queriam-se deveras ao lado do povo mas naquele tempo as massas populares estavam irremediavelmente entregues a si mesmas: não havia redes sociais, qualquer fonte de informação alternativa.
Eis como os anos vividos sob os terríveis efeitos do Crash se distinguem do nosso tempo. As elites ocidentais distanciaram-se largamente das massas populares, no Reino Unido votando o “Brexit”, sentando na Presidência dos EUA Donald Trump e, na Europa, apoiando partidos, políticas e líderes de extrema direita. Assim se compôs um quadro inquietante, alarmista, que desperta por fim para a necessidade urgente de mais economia, mais economia – e como?
As elites (intelectuais, políticos, académicos, cosmopolitas) traçam neste quadro a linha de uma clivagem fundamental: aderem à globalização, à União Europeia e à moeda única; são-lhes indispensáveis os EUA e a NATO à “defesa do mundo livre”. Repudiam, portanto, a saída do Reino Unido da EU e a política antiglobalização de Trump, contrária às “parcerias” comerciais (que convidam as transnacionais a deslocarem-se em busca de baixos salários e transforma a nação antes exportadora em importadora). Neste “proteccionismo” dito populista encontrou Trump o seu maior trunfo eleitoral.
As elites não aderem à direita nem à extrema esquerda, preferindo claramente não arriscar navegando ao centro no mainstream. Misturam populistas e líderes de esquerda num mesmo saco (em lamentável confusão com ditadores) Al Sissi, Recep Erdogan, Putin, Xi Jinping, Kin Jong-un ou Nicolás Maduro. Estarão hoje estas elites verdadeiramente ao lado do povo?
As massas populares (a maioria que elege políticos, partidos e governos, onde tem raiz a democracia que tantos reduzem a relíquia-miniatura a exibir na lapela) estão desligadas dos intelectuais virados para a globalização; sentem a pátria debaixo dos pés, acreditam ora em populistas de direita, ora de esquerda. As elites preferem olhar para o alto, levitam na alta cultura, já nem se lembram do hino nacional. Estão em falência.

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