terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ler «para crianças»

Um excelente amigo pôs-me na mão Quem Quer a Madrugada. O livrinho é póstumo, pelo que a sua publicação evoca o autor. Faço-o com todo o gosto, pois conheci de perto e prezei Ilídio Sardoeira de maneira que aprecio agora uma nova expressão dos seus méritos como autor de histórias «para crianças».
Há gente que teima em falar de histórias «infantis» descurando no adjetivo que nada de infantil se encontra no caso até ao momento em que o livro chega ao seu destinatário ideal. De facto, são adultos os que como eu gostam de ler ficções deste género, porque são reconhecidamente refrescantes, se é que também, como autores, não as imaginam e escrevem, ilustram, publicam e levam da livraria para casa para oferecer a filhos e netos. Apenas as mais belas e portanto as melhores páginas da designada literatura para crianças, tão raras e maravilhosas, merecem chegar aos pequenos leitores depois de encantar quem cresceu sem extinguir a criança que foi.
Continuo na convicção de que se trata de um género (ou subgénero) literário dos mais ingentes e envolventes. Muitos o tentam, tomando-o pela aparente facilidade, mas resulta tão difícil quão criar autêntica Poesia que tantos namoram mas poucos ama. Acredito que um escritor afirma e confirma a sua estatura como autor literário, artista da palavra viva, sem necessidade de dar à luz uma grande obra - bastam, por exemplo, estas oito histórias de Ilídio Sardoeira.
Ao amigo António Cardoso, homem de cultura e cidadão irradiante, se deve a edição de Quem Quer a Madrugada (Porto, 2011), que resgata do limbo do jornal «O Comércio do Porto» os breves contos que ele próprio remata com a nota intitulada «Vós, descobridores da Natureza e dos mistérios da Vida». A ele, igualmente, creio dever-se a escolha de Manuel de=Francesco para os ilustrar com tão evidente nível estético. O escritor Ilídio Sardoeira (1915-1988), professor do ensino secundário, divulgador de conhecimentos científicos, conferencista, amigo de outro poeta amarantino, Teixeira de Pascoais,  revive assim de forma que a todos dignifica.
Penso que uma história «para crianças» (de todas as idades) pode abordar qualquer tema na condição única de o autor saber tratá-lo de forma feliz. A dificuldade está em conseguir a conveniente delicadeza de tratamento do tema. Sardoeira compôs poemas, tinha boa mão para enlevar elevando o que escrevia.
No índice do livro as oito histórias trazem as datas de publicação no jornal numa sequência que vai de 1972 a 1973; a penúltima, de 1974, inspira-se claramente na revolução dos cravos («Não é uma história: é a História» - escreve, p. 29), e a última, de 1975, que empresta o título ao conjunto, toma a «madrugada» pela democratização em curso. Com destreza feita de poética leveza, Sardoeira imagina, por exemplo, que «no Universo tudo é fruto e tudo se move» e afoita-se num léxico que hoje, 35 anos volvidos, talvez abuse das cabecinhas infantis formadas nas escolas do nacional facilitismo... Até neste ponto o livro de Ilídio Sardoeira demonstra quão importante é e quanta falta nos fazia! [Imagem: «A leitora», pintura de Pierre August Renoir.]

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado, Arsénio.
Irei providenciar o destaque.
Abraço,
Rui