segunda-feira, 9 de maio de 2016

Brasil: “Crime e Revolução”


O imbróglio político que vai crescendo no Brasil com vista à destituição da presidente da República, Dilma Rousseff, trouxe-me à lembrança uma leitura ainda recente: o romance Crime e Revolução. Com esta obra, o seu autor, Carlos Rangel, brasileiro, ganhou em Portugal o prémio literário Carlos de Oliveira e o município de Cantanhede, que instituiu o prémio, publicou o livro em primeira edição.

brasilia.jpgÉ possível que a obra, inédita quando foi premiada, não circule nem seja conhecida no Brasil, pois a tiragem da primeira edição portuguesa (2015, 189 pp) foi de apenas 250 exemplares, certamente não destinados à distribuição no mercado normal. Logo, apesar do prémio atribuído e da edição feita, o romance pode continuar de facto no limbo dos inéditos literários de ambos os lados do Atlântico. Mas quem o lê, ou, no meu caso, relê, é facilmente tentado a colar a súmula da narrativa à actualidade brasileira.
Na verdade, o tortuoso processo do impeachment é movido contra Dilma com base em acusações elaboradas por líderes do parlamento e do senado que enfrentam graves acusações de corrupção pendentes. Logo, ganha base a advertência: o processo da eventual destituição da presidente procura livrar os líderes corruptos da justiça. É este o pano de fundo do romance premiado de Carlos Rangel.
Realmente, a corrupção dos políticos no Brasil parece endémica. Em Crime e Revolução o tema são acontecimentos revolucionários de 1930-32, a alternância de partidos afins no governo, revolução e contra-revolução para que tudo continue sem emenda. O autor focaliza a narrativa na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, onde os revolucionários vencidos vão exilar-se para, escapando à justiça dos vencedores, conspirar e reconquistar o poder.
Carlos Rangel mostra conhecer bem aquela zona fronteiriça, os ambientes políticos partidários regionais e federais. Talvez se inspire, ficcionando a partir de episódios reais escabrosos, divulgados ou documentados, de certos abusos de poder de “coronéis” e seus sequazes locais que chegam a matar adversários. Enfim, o crime mais violento ou o mais sórdido e a revolução malparida dançam, abraçados, neste romance.
Resulta, assim, numa reflexão bastante amadurecida sobre processos revolucionários desencadeados naquele vastíssimo país lusófono e os resultados concretos que, por tal via, poderão ser atingidos. Neste quadro, o autor chega a introduzir duas das suas três personagens principais no partido comunista brasileiro dos anos ’30-32 e a “formar” uma delas, militante, rapariga burguesa, em Moscovo. A conclusão que transparece envolve-se de melancolia.
Carlos Rangel revela-se em Portugal com esta obra bem estruturada e com óbvias qualidades literárias (a diegese é percorrida por um fio que associa companheirismo, lealdade, afeição e amor). Merecia o galardão que a distinguiu. Pena será que nem portugueses nem brasileiros consigam vê-la ao seu alcance.

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