terça-feira, 16 de julho de 2013

Vou de férias e deixo recado


Este ano o escriba antecipa as suas férias e pretende mesmo fazê-las maiores. Parte agora, em meados de Julho, e voltará no início de Setembro. Mas não vai andar por aí na preguiceira, tem que entreter nos braços um projecto de edições do autor… cibernético. 
Em primeiro lugar, convém esclarecer o desaparecimento de obras, com os respectivos links, que estiveram acessíveis aqui ao lado, na janela “Os meus amigos podem ler”. O facto resulta de ter retirado dez edições digitais da plataforma que os albergava. Restam agora apenas três. 
Posso explicar? Comecei por volta de 2011 a colocar alguns dos meus ebooks na Issuu.com à experiência, quase por desfastio (fugindo das mudanças havidas na edição literária). Quando, há pouco mais de um ano, lá coloquei os últimos, o resultado tornou-se surpreendente: acelerando dia a dia, o número dos visitantes-leitores dos meus treze livros multiplicava-se fazendo saltar a contagem global ao ponto de, prestes a atingir as cem mil “impressões”, resolvi travar a fundo – não recebia quaisquer direitos, era absolutamente gratuita, para mim, tanta farturinha de leitura! 
Ao mesmo tempo, aquela plataforma introduzia importantes alterações e eu, algo desagradado, aproveitei para mudar também. Comecei já a aparecer em poiso diferente com os primeiros títulos. Escolhi a Kindle, dos populares readers da não menos popular Amazon, a livraria mundial com filiada a funcionar no Brasil e que é única no espaço lusófono. 
Persuadiram-me as maiores potencialidades que a opção oferecia. Neste sentido, salientam-se especialmente as edições de literatura infanto-juvenil. Não por acaso, os dois primeiros livrinhos ali colocados pertencem à colecção “As Cinco Graças”, cinco histórias destinadas a crianças ainda incapazes de ler mas em condições de ouvir contar. 
Intento colocar, pouco a pouco, na plataforma Kindle o essencial do que escrevi na área infanto-juvenil - uma vintena de títulos. De facto, parecem-me óbvias as vantagens que os ebooks têm nesta área. Na edição normal, esses textos, pouco extensos, bastante ilustrados a cores e impressos em bom papel atingem preços de capa naturalmente elevados, o que trava a compra (e os livrinhos, uma vez lidos, adormecem nas estantes)… 
Não acredito, devo dizê-lo, no “fim do livro” em papel, mas considero positiva alguma emancipação do habitual suporte físico em nome, também, da conservação do ambiente. Todavia, outras obras, destinadas a adultos, irão ser disponibilizadas pela Amazon para ler online ou impressas em papel para os interessados que as encomendem. Na minha Página do Autor, que me convidam a criar ali, talvez venha a dar conta de outras novidades. [Imagem: pintura de Varatojo José.]

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Questionário de Proust

Nos anos '60 esteve bastante em voga, nos meios literários, um Questionário de Proust constituído por trinta perguntas supostamente capazes de captar o perfil essencial do autor que lhes respondia. Parece que o dito ainda hoje tem uso e foi isso que me lembrou de que outrora também eu fui na onda. Topei com o esquecido texto que, nesta lonjura temporal, não lembro onde terá aparecido. Resgatado do limbo, aqui fica.

1. O que é para si a felicidade absoluta?
- Um conceito inspirado no Absoluto. Arrumou-o a filosofia no outro lado da lua.
2. Qual considera ser o seu maior feito?
- Ser quem sou.
3. Qual a sua maior extravagância?
- Acreditar tantas vezes na sinceridade alheia.
4. Que palavra ou frase mais utiliza?
- Equilíbrio. Harmonia. Paz.
5. Qual o traço principal do seu carácter?
- A procura da simplicidade. É tão prática!
6. O seu pior defeito?
- Os meus excessos.
7. Qual a sua maior mágoa?
- Contemplar o espectáculo das carneiradas a seguir atrás dos pastores a caminho do açougue.
8. Qual o seu maior sonho?
- Viver entre pessoas verticais, lúcidas, independentes.
9. Qual o dia mais feliz da sua vida?
- Continuo a esperá-lo…
10. Qual a sua máxima preferida?
- Máxima mínima: responde por ti, a mais não és obrigado.
11. Onde (e como) gostaria de viver?
- Em qualquer Cidade do Sol, na Utopia prometida.
12. Qual a sua cor preferida?
- O vermelho, cor do arco-íris.
13. Qual a sua flor preferida?
- A rosa que vai florir amanhã de manhã apesar das fúrias à solta e as outras que se anunciam.
14. O animal que mais simpatia lhe merece?
- O Homem maltratado.
15. Que compositores prefere?
- Beethoven, Wagner, Mahler, Mozart e… o rol é extensíssimo.
16. Pintores de eleição?
- Jerónimo Bosch, Rembrandt, Velázquez, Cèzanne, Picasso, etc., etc.
17. Quais são os seus escritores favoritos?
- Nos extensos pomares das selectas, como escolher apenas umas árvores e uns frutos (autores, obras) de sabores (abordagens, expressões) tão diversos e ricos – no nosso país, no espaço lusófono e na Literatura Universal?
18. Quais os poetas da sua eleição?
- Portugueses: Camões, Pessanha, Cesário, Pessoa, etc., etc.
19. O que mais aprecia nos seus amigos?
- O calor humano, a amizade, a dádiva imaterial.
20. Quais são os seus heróis?
- As pessoas que se deparam diariamente com feirantes de microfone à boca e, sem os ouvir, passam ao largo.
21. Quais são os seus heróis predilectos na ficção?
- Ulisses, Jean Valjean, Jean Christophe, Demian e, entre outros, o mago que tocando gaita levou para longe da Cidade a praga dos ratos.
22. Qual a sua personagem histórica favorita?
- Buda, na companhia de Gandhi, Marx, Freud, Galileu, Einstein e de todos quantos lutaram por alguma libertação.
23. E qual é a sua personagem favorita na vida real?
- No tempo antigo, o escravo sem nome que colocou a última pedra (e depois morreu) no zigurate erigido para glória do soberano cujo nome ficou esquecido; no nosso tempo, o Che.
24. Que qualidade(s) mais aprecia num homem?
- O carácter, a dignidade humana, o sentido ético, a educação.
25. E numa mulher?
- Idem, mais a beleza da sua feminilidade.
26. Que dom da natureza mais gostaria de possuir?
- Todos.
27. Qual é para si a maior virtude?
- A modéstia honrada e honrosa, sem artificialismo cabotino.
28. Como gostaria de morrer?
- Tranquilamente, num fim de tarde, a ver o pôr do sol no mar… e de ser logo incinerado.
29. Se pudesse escolher como regressar, quem gostaria de ser?
- Alguém capaz de emendar o mundo. Definitivamente!
30. Qual é o lema da sua vida?
- Uma vida sem lema mas com amigos convivenciais, merecendo-os; vivendo o mais possível de acordo comigo mesmo e com a natureza de que faço parte.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

O tempo dos escritores


Esta crónica começa com a mão em devaneio sobre o papel. Rabisca o nome de uns quantos escritores falecidos que vai juntando porque os foi conhecendo ao longo do seu itinerário existencial e que a recordação agora recupera da ausência. A folhinha não se enche de todo porque a mão se suspende, desiste e pára.
Tantos nomes prestigiosos, tantas memórias a borbulhar em grupos na evocação como cerejas do cesto vindos da fundura límbica onde o esquecimento já os deixava! Quem se lembra hoje  dos escritores que conheci e que tão aclamados foram no seu tempo? Lembro José Gomes Ferreira, Fernando Namora, Manuel Ferreira, José Rodrigues Miguéis, Mário Dionísio, Manuel Mendes, José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Natália Correia, Augusto Abelaira, Alexandre Cabral, Faure da Rosa, Luís Sttau Monteiro, Sidónio Muralha, Alexandre Pinheiro Torres… sem esquecer Ferreira de Castro, Mário Sacramento, Mário Braga e tantos, tantos mais!
Foi também o tempo de Alves Redol, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Vitorino Nemésio, Miguel Torga, Eugénio de Andrade. Mas estes autores, felizmente, continuam entre nós, são presenças tão claras que os seus nomes acodem à memória sem esforço. Em meados do século XX e até anos ’70-’80, eles eram, eles foram a Literatura, de modo que é neste ponto que se perfila a questão do tempo dos escritores.
Bem o sabemos, poucas vezes a longevidade das suas obras no plano da leitura pública é francamente maior do que a duração das suas vidas. Os escritores queimam os seus talentos e afãs para que essas obras perdurem, sonham com a migalha de glória póstuma que lhes caiba e recebem não poucas decepções. Mas entretanto algo aconteceu que transtornou a situação: instalou-se o fenómeno da obsolescência de bens de consumo, incluídos os culturais (e regressamos à frase de Oscar Wilde, “para ser popular é indispensável ser medíocre”).
A literatura agora é esta, a do consumo rápido e em massa, produzida para não durar no mercado dos bens efémeros como cançonetas novas ou os filmes de Hollywood que passam pelos cinemas a cada semana e são previsíveis como fábulas já conhecidas. É a literatura do comércio lucrativo dos contadores de histórias, o negócio sem poesia. Implantou-se com um efeito maléfico: tomou o lugar da Literatura e varreu do cenário autores e obras que mereciam outra sorte.
É preciso dizer, sem papas na língua, que o negócio da edição literária corrente matou a Literatura. Temos de fugir da produção padronizada para o medíocre gosto da maioria consumista, da literatura descartável, do verbo de encher lombada grossa com capa vistosa. O que nos diz que importe deveras à arte, à vida?!
Voltemos para os escritores hoje secundarizados pelas obras do efémero descartável. Os de há meio século ou anteriores, como, por exemplo, Raul Brandão Aquilino Ribeiro. Nas suas páginas reencontraremos a palpitação fremente da literatura viva e, nos melhores casos, a personagem colectiva ou, se for caso disso, o herói singular que se ergue e bate para defender o seu povo. [«Salomé», escultura miniatural criselefantina de Dimitri Chiparus (1888-1950).]