sexta-feira, 29 de julho de 2016

A tradição manda, Agosto é mês de férias. O redactor da coluna aproveita (ausenta-se até 5 de Setembro) e talvez fique a espreitar os quatro cantos do céu esperando ver surgir, planando, as asas negras de alguma andorinha. Façam o favor, avisem-na: nestes ares nem melgas há e moscas são raridade. Do que poderá viver a coitada? Da poluição?! 

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Turquia, porta giratória da Ásia

us.jpgO mapa da Europa que eu, menino, encontrei nos livros e nas paredes das primeiras escolas abarcava a Turquia e o norte de África, portanto as duas margens do Mediterrâneo. O país modernizado por Kemal Ataturk aparecia ali numa fronteira imaginária entre a Ásia e o “velho continente”. Esta posição de país-charneira tem atribuído àquele país um papel de porta giratória entre os dois lados mas agora o presidente Erdogan parece disposto a virar as costas ao Ocidente acabando com o regime laico do Estado para o islamizar e a querer-se, em vez de presidente, sultão.

Assim, como porta de entrada e saída de europeus e asiáticos, a Turquia tem para mim uma reminiscência curiosa. Segundo José Pijoan, autor principal de uma história do mundo que traduzi (trabalho de três anos: 1973-75), a designação de Ásia teria começado por nomear uns prados em terras do continente avistados da ilha helénica mais próxima (onde por sinal vai chegando “à Europa” uma infinita corrente de refugiados das guerras); depois a designação alargou-se à medida que essas terras, do Levante e outras, chegaram ao conhecimento dos viajantes gregos. A designação da Ásia entrou na nossa língua pelo latim através do grego (Ασία, em acádio subir), mas são variadas as explicações da sua origem, de modo que nos atemos somente ao primeiro registo do topónimo: encontra-se em Heródoto, historiador grego que, por volta de 440 a.C., mencionava uma divisão do mundo em três partes mitológicas.
Todavia, sem dúvida nenhuma, a civilização asiática teve início há mais de 4.000 anos, muito antes de começar no mundo ocidental, com actividades económicas, manifestações culturais e desenvolvimento da ciência. Sabe-se igualmente que os povos da Ásia fundaram as cidades mais antigas, estabeleceram os primeiros sistemas de leis tal como as formas iniciais da agricultura e do comércio. E mais, os asiáticos inventaram a escrita, o papel, a pólvora, a bússola e os tipos móveis de imprensa e criaram as primeiras literaturas, sem esquecer que também foram asiáticos os fundadores das principais religiões do mundo: Buda, Confúcio, Cristo e Maomé.
Por tudo isto, convém lembrar que a Ásia - com o Levante, o Médio e o Extremo Oriente - é o maior dos cinco continentes, onde avultam nações enormes como a Rússia, a China ou a Índia entre outras nações de tamanho minúsculo. Os seus povos diferem igualmente quanto a árvores genealógicas, práticas, comportamentos, idiomas, crenças religiosas e modos de vida. Enfim, os europeus consagraram o Oriente com a velha frase de que é daquele lado que nos chega a luz – seja a da aurora ou do espírito – mas a frase tem-se perdido em corridas a apetitoso e abundante petróleo e maquinações que soltaram por lá a revolta e acordaram por cá uns monstros sanguinários.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O jogo e o jogo da bola

cavalo.pau.jpgReconheçamos este facto: o jogo é actividade lúdica, de índole marcadamente infantil. Jogar é brincar, lidar com brinquedos. É, digamos, diversão com uma bola, nem que seja feita de fio de lã que até o gato doméstico gosta de empurrar com as patinhas, isto é, a pôr a rolar pelo chão.
Aliás, brincar é saltar, ir aos brincos, mexer o corpo aos saltos ou em movimentos para folgar ou divertimento. A etimologia do vocábulo jogo, termo por sinal com uma elucidativa semântica, provém, segundo leio, do latim fôcu-, significando “gracejo, brincadeira, jovialidade, galhofa; divertimento, folguedo, passatempo”. Convimos, então, ou não, que o tempo vai bom para ir na marcha, a caminho da romaria?

Com boa razão a sabedoria das nações preceituava, antes da invasão do consumismo desenfreado e dos tecnocratas no poder, que a ociosidade era mãe de todos os vícios. Ora as crianças sempre brincaram. Precisam de desenvolver os seus processos de crescimento, estão portanto “ociosas” quando brincar é, na idade infantil, ocupação das mais sérias.
Mas… e os adultos? Aqueles adultos que, em espessa multidão histérica, a urrar de alegria e patriótica futebolite, festejaram a vitória portuguesa no campeonato europeu? Também brincavam… como crianças?
Vejamos: qualquer pessoa da minha geração recordará os três ff glorificados por Salazar no dia 10 de Junho de 1944 com a inauguração do primeiro Estádio Nacional no Vale do Jamor. E mais: poderá dizer todo o espanto que foi acumulando com a incrível expansão popular dos três ff, em especial os do futebol e de Fátima (mas sem esquecer Amália fadista erguida à altura de Pessoa no panteão nacional) e perceber que tal se ficou a dever, sempre, a doses cavalares injectadas atrás das orelhas do povo. Documentará o seu espanto lembrando o 25 de Abril e os seus dias de brasa, ao surgir na tv um fulano a clamar que, com a democratização, já todos podíamos encher os estádios “finalmente em liberdade”, como se a mudança de regime operada transformasse de súbito, num passe de mágica, o futebol, alienante no tempo da ditadura obscurantista, em abençoada catarse, espectáculo bom para crescentes massas de adultos sentados a ver jogos de profissionais da bola com uma presumível inocência infantil.
Posso testemunhar: na redacção do meu jornal, a primeira secção desportiva, assim designada, apareceu apenas em meados dos anos ’60. E Salazar, hoje, nem para varrer os balneários teria entrada nas majestosas Academias onde é ensinada a arte suprema de chutar a bola com a precisão de tiro de carabina de cano comprido. Naturalmente, o jogo da bola não é nenhuma ciência exacta; é um jogo de sorte e azar como tem que ser quando um lado vence e o outro acaba vencido.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Em louvor da memória

memória.jpgDamos pouquíssima atenção à memória que temos a funcionar no cérebro. Tão natural e continuadamente, e tão intensamente a usamos que nem podemos, por um momento sequer, atentar no que em nós funciona. Apenas ficamos aterrados se acaso se nos apaga deixando às escuras num espaço vazio…

Um clássico francês do período iluminista, querendo divertir-se, escreveu um livro sobre o que aconteceria se as pessoas perdessem a memória. Os patrões não distinguiriam os seus empregados dos clientes nem suas mulheres os maridos, os comerciantes os preços das mercadorias… Seria a confusão total.
De certo modo, talvez possamos ver a memória no centro fulcral do que uma pessoa é com o seu passado, o seu presente e o projecto de vida futura que tenha em mente. Lembra-se do seu nome para dizer quem é. A sua identidade engloba tudo quanto memoriza, conheceu e consegue recordar, incluso o rosto que lhe aparece no espelho a cada novo dia.
É, evidentemente, uma função do cérebro de capital valor. O tempo vivido parece constituir-se no indivíduo em camadas sucessivas, de tal maneira que, ao recordar algo muito antigo, terá a sensação de uma proporcional “descida”, como se a memória pudesse ser descascada, camada a camada, como as cebolas. Então, por mais que descasque, por mais que “desça” às funduras, a memória, inesgotável, continua presa nos meandros dos seus próprios corredores e labirintos.
Há umas dezenas de anos ainda havia quem defendesse a teoria dos “três cérebros” presentes no homo sapiens sapiens, logo, na espécie humana actual. Seriam eles o “cérebro reptiliano” e os seguintes herdados da nossa evolução antropológica; poderiam contribuir para o estudo científico de alguns casos de características comportamentais remanescentes. Mas o vento arrumou a teoria.
A complexidade do cérebro humano tem na capacidade funcional da memória uma imagem expressiva. Foi essa, sem dúvida, a intenção primeira do autor iluminista que li há quase setenta anos (Voltaire?) e que agora, por pirraça, a minha memória não me deixa citar. Imaginou uma situação verdadeiramente hipotética e descreveu as possíveis consequências.
José Saramago fez outro tanto ao escrever, por exemplo, os romances em que imagina uma população toda condenada à cegueira e a península ibérica separada de França, à deriva no Atlântico. Todavia, o autor francês conseguiu demonstrar bem, com fino humor, que todos os homens nascem iguais e que a desigualdade social vem depois… com a memória. Estamos em época de extremadas desigualdades, mas aqui fica, para o que hoje me falta, um louvor!

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Nacionalismo e patriotismo


bola.jpgOs políticos que mais se revezam nos órgãos informativos têm na boca, sempre pronta, uma palavra: nacionalismo. O termo tem significados e sentidos diversos, mas o contexto habitual das frases descarta a semântica. Ao nacionalismo invocado, sempre em sentido pejorativo, opõe-se o antónimo: globalização.

Aquela gente mostra-se inabalavelmente convencida de que a globalização - nas ideias, nas mentalidades, nos comportamentos - é o único caminho a seguir por nações, empresas e cidadãos para progredir e prosperar neste nosso abençoado tempo. São políticos iluminados por grande experiência de vida, que já integraram governos ou aspiram a ter lugar num próximo a formar e que sabem colocar-se em posições estratégicas para vencer. Não têm dúvidas: este tempo é de globalização, ou melhor, de competição.
O nacionalismo foi assim arrumado na prateleira dos conceitos desprezíveis, obsoletos ou quase bacocos por quantos vêem Nova Iorque no centro do mundo e Washington como sua metrópole ideal. Mas, sem nacionalismo, sem nacionalidade, onde pára, onde pode aparecer o patriotismo? Por que motivo este sentimento está a ser tão radicalmente expurgado do discurso politicamente correcto?
À evidência, abunda “patriotismo” futebolístico. Bandeiras nacionais flutuam ao vento por todo o lado, em apelos para que Portugal vença o campeonato e ganhe a taça. Posso testemunhar: nas ruas da minha cidade, quase desertas nas horas do jogo, ecoam gritos, brados, urros impressionantes - altifalantes e gargantas humanas em coro a vociferar a plenos pulmões.
De facto, somente formações políticas minoritárias, com reduzida expressão eleitoral, mantém patriotismo nos seus vocabulários. Hipnotizadas pelo golo na baliza, as massas populares deixaram-se alienar, ficaram sem pátria. Transformaram-se em “cidadãos da bola”, género novíssimo de cidadãos do mundo, esperando talvez que o futebol acabe com o desemprego, a pobreza do crescimento económico, a insegurança social.
Todavia, a globalização tem servido para quê? Para os milhões dos ricaços viajarem pelo mundo sem passaporte e se esconderem nos paraísos fiscais. Para deslocalizar empresas e explorar mão-de-obra barata, sem direitos e tantas vezes infantil, inspirando por cá, na União Europeia, os défices orçamentais, prodigiosos cavalos de Tróia prontos para tudo menos arrancar unhas em vez de no-las ir cortando até ao sabugo.

O sentimento patriótico, livre de egoísmo e exaltações nacionalistas, isto é, educado na solidariedade internacionalista com todos os povos democráticos, requer o sentido da nação a que se pertence para poder nascer e animar o cidadão. Sem patriotismo nenhuma cidadania estará completa. Assim será possível que cada habitante deseje e trabalhe verdadeiramente pelo bem da pátria que é nossa.