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segunda-feira, 4 de abril de 2016

O pioneiro da biodiversidade


Foi há um século: o botânico Nikolai Vavilov concebeu em 1916 a ideia pioneira da biodiversidade natural. Percebeu que as plantas, organismos vegetais da natureza, são diferentes devido à genética e a factores ambientais, mas que até são domesticáveis. A ideia empolgou-o tanto que sonhou poder acabar com a fome no mundo.
Vavilov (Moscovo, 25-11-1887) trabalhou em 1913-1914, em Londres, no laboratório de William Bateson, pioneiro da genética, a quem se deve, desde 1901, o sentido actual desta palavra. Os principais artigos que escreveu foram coligidos em volume e publicados em inglês em 1992 com o título Origin and Geography of Cultivated Plants. Além disso, Vavilov dirigiu durante vinte anos o Instituto Vavilov da Indústria Vegetal da União (antes Academia Lenine de Ciências Agrícolas da União [Soviética], fundada em 1920) e em 1924 criou o primeiro banco de sementes do mundo em S. Petersburgo.
Este notável cientista russo bem merece as comemorações do centenário da sua ideia pioneira. Vale a pena conhecer a sua vida e obra e, assim, participar nas homenagens em sua memória. Pelo que fez, Vavilov merece deveras todas as nossas evocações e aplausos.
Foi um viajante incansável e corajoso que percorreu durante dezasseis anos numerosos países, por vezes em guerra, em busca de sementes e conhecimento científico. Aprendeu mesmo quinze idiomas para poder falar directamente com agricultores nos países do globo que visitava. O prestígio internacional que atingia nos anos da Segunda Grande Guerra era indesmentível.
Porém, caiu em desgraça por manobras do seu maior inimigo, Trofim Lisenko (1898-1976), decerto mais político do que cientista e que, por sinal, fora antes promovido por Vavilov. Intrigando, conseguiu que este fosse preso em Agosto de 1940, portanto, nos anos de Estaline, e morreu na prisão de Saratov (Sibéria), em 26-01-1943, com 55 anos, consta que de fome.
Mas não tardou muito a reabilitação do seu nome e obra científica e o próprio Lisenko a cair em desgraça. Foram enormes os prejuízos causados por este à economia, e sobretudo à agricultura, com as suas teorias sem apoio da ciência. Todavia, envolve-se numa espécie de humor negro o facto de Lisenko ter vivido cerca de 78 anos e Vavilov ter sucumbido de fome num subterrâneo secreto.
Outra camada espessa de humor negro estará talvez na situação actual do mundo, onde milhares e milhares padecem e morrem à míngua de alimentos. Parece piada cínica dirigida ao pioneiro da biodiversidade, sonhador confiante no fim das carências alimentares da humanidade. Valha-nos, pelo menos, a existência do Grande Cofre de Sementes Global de Svalbard, nas montanhas do Árctico, inaugurado em 2008 – falta apenas semear todas essas preciosas sementes e banir de vez os transgénicos!

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Fumadores: querem ajuda?


Os dados da situação são bem conhecidos. Os fumadores estão a diminuir e até arranjam coragem para repudiar a nicotina por volta dos 45 anos de idade, mas as fumadoras seguem ao contrário, crescem. De modo que em Portugal se registam 12 mil mortes por ano devido ao tabaco (cerca de 30 pessoas por dia, em média) enquanto, no mundo, segundo a OMS, sucumbem seis milhões de fumadores.
É bom que todos ajudemos os viciados a largar tão maléfica dependência por menos que eles agradeçam e é isso que o Governo, demonstrando que nem tudo quanto faz, sem excepção, é mau, aperta o laço das restrições (mínimas e tímidas). Agora dispõe-se a alargar a quantidade de espaços fechados onde não se pode fumar. E quer tornar os maços de cigarros de aspecto tão repelente que pode chegar a ser sinistro.
Sem dúvida, será mais um pequeno passo dado na direcção correcta. Os custos sociais, em doenças e dias de trabalho perdidos provocados pelo tabagismo são impressionantes, arrasadores. Mas, evidentemente, outros custos lhes são associados, em sofrimentos individuais, perdas da qualidade de vida, mortes prematuras.
Avançar com pequenos passos, neste assunto, pode parece conveniente. Mas tanta paciência, tanta tolerância dada pelos governos aos fumadores leva-me a consultar o arquivo da memória: há quantos anos anunciei que, finalmente, “a liberdade do fumador vai acabar”? Foi há trinta… ou ainda mais anos?
Portanto, os pequenos passos esticam o caminho a percorrer por inteiro. Um único país, somente, proibiu no mundo o comércio e o consumo do tabaco. Alguns outros dispõem-se a alcançar a meta dentro de uns vinte anos…
Entretanto, por aqui e por ali, vamos continuar a cruzar-nos com fumadores parados ou a andar pelas ruas e outros lugares públicos, cegos para o que não seja a satisfação egoísta do seu vício. Acaso admitem que estão a poluir o ar que os seus próximos têm que respirar? Poderão compreender que a sua liberdade pessoal, ali, termina onde começa a liberdade dos outros?
A retórica dos adeptos do tabagismo, à falta de melhor, recorre ao lugar-comum: argumenta que também a atmosfera anda saturada de poluição; logo, a esta tirada, acrescenta outra como válida desculpa! Sim, é verdade, a qualidade do ar nos centros das grandes cidades é frequentemente de muito baixa qualidade. Tal como a qualidade da água que nos servem e dos terrenos e culturas que produzem os nossos alimentos… usando por vezes, ilegalmente e em segredo, organismos geneticamente modificados.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Relvado à janela

A minha janela tem vista prazenteira. Coloca-me sobre um pequeno relvado, talvez uns duzentos ou trezentos metros quadrados nem sempre verdejantes. Na sua escassa verdura repouso os olhos cansados que retirei do ecrã do computador.
Porém, mais do que a visão cansada, cansa-me hoje o país, a Europa desunida ou a União unida para o pior. Parece que as sementes transgénicas e os alimentos por elas produzidos, isto é, os interesses nefastos da monstruosa Monsanto se impõem crescentemente em Bruxelas. A biodiversidade, a própria segurança das populações europeias, vacilam e caem vencidas aos pés da multinacional que até pretende patentear os nossos feijões para os contar e meter no bolso.
O relvado banha-me a visão e as ideias de frescura. Na humildade imóvel que se esconde numas traseiras do quarteirão, vai sendo o que sempre foi, canteiro sem árvores nem flores, logradouro sem pretensões de jardim embora um jardineiro matinal lhe tosquie por vezes as ervas em vaivéns de motor a roncar. Mas, ainda assim, é espaço cheio de vida.
Por ali voejam e pousam pombas, pardais e casais de melros e uns pássaros de penas pretas, com manchas brancas no peito e rabo comprido a balouçar. Na minha infância aldeã chamavam-lhes, se não erro, “gaios”. (Mas nem sombra de asa de andorinha adeja, mesmo agora que Maio finda e a Primavera ainda treme de frio!)
Catam o chão em passinhos curtos, chegam-se às zonas mais verdes, ao longo das paredes ou nas zonas de sombra, e encontram comida onde a relva é mais viçosa e crescem plantas intrusivas, de nabos enterrados, que o jardineiro não elimina tal como umas heras que já trepam pelo corrimão de uma escada de acesso. Nas zonas quase calvas do relvado, castigadas pelo sol, pouco ou nada as aves se detém. Mas não há dúvida, o relvado tem vida que suporta muitas outras espécies de vidas.
Quando aparecem gaivotas em revoadas, descendo aos pares dos cimos sobre o terreno num espavento de asas e sons roucos, há reboliço. As aves mais pequenas deslocam-se de imediato para distâncias respeitosas, tal como uma gaivota isolada que os casais escorraçam. O ambiente acalma-se e então algumas torcem o pescoço e a cabeça para o lado e aparentemente adormecem…
Nos dias ventosos, dos ares caem sacos de plásticos vazios, papéis com anúncios, lixos. Ilusão: uma gaivota ao longe a sacudir a asa não é mais que uma folha branca amarrotada que a brisa agita. Quem ouviu a música [que] sobe da erva? – pergunto eu, do lado interior desta vidraça, desejando ir lá fora colar o ouvido ao escuro para sentir a respiração da terra.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A origem das espécies

Levou vinte anos a decidir publicar o livro que ficou como a sua obra fundamental. Previa a avalancha de reações adversas, nada científicas, que ia desencadear com a tese que propunha e não se enganou. Por fim, arrostando com preconceitos, insultos, propagandas malévolas e conservadorismos doutrinais, Darwin apareceu a defender A Evolução Natural.
Era o corolário dos estudos iniciados na viagem que fez a bordo da «Beagle». Durou quase cinco anos, até 1836, e deu a volta à Terra. Mas Darwin esperou até 1859 para lançar as bases científicas que permitiram ao mundo culto compreender o fenómeno da diversidade biológica.
Demonstrou que as espécies existentes provêm de um ancestral comum, assinalando ao mesmo tempo o papel da seleção natural. A obra emocionou os setores cultos e revolucionou as opiniões. Hoje, corrido século e meio sobre a primeira edição do seu livro, pode dizer-se, com inevitável tristeza, que os preciosos contributos de Charles Darwin (1809-1882) para a ciência e a cultura, lançados com desassombro e coragem, continuam a enfrentar resistências que, apesar de velhas, parecem inamovíveis.
Boa resposta lhes dá a exposição que assinala desde 2009 o bicentenário do nascimento do lembrado cientista inglês. Em Portugal, esteve patente em Lisboa e agora está no Porto, integrada no centenário da Universidade portuense (no palacete do Jardim Botânico, até 17 de julho). O mínimo que dela se pode dizer é, sem qualquer dúvida, algo como isto: organizada com critério e meios amplos, a exposição coloca-se ao nível dos méritos que distinguem o seu patrono.
Todavia, encontram-se ali motivos de muito diversa atualidade. Além da invalidação sumária do criacionismo, mito segundo o qual Deus criou «para sempre» todas as formas da vida,  que perdura na «Bíblia», a exposição invoca o problema da conservação da biodiversidade global que enfrentamos.  É uma questão, sem sofisma, das mais eminentes do nosso tempo e tanto mais vital quanto mais tem a ver de facto com a própria conservação da vida.
As espécies de flora e fauna que dia a dia desaparecem do planeta por radical extinção rompem os delicados equilíbrios do mundo natural e já ameaçam a segurança futura da espécie humana. Ninguém avalia todas as consequências finais das alterações dramáticas que ocorrem, sabendo-se porém que serão dramáticas. A espécie humana nasceu e desenvolveu-se no seio da natureza e dela faz parte intrínseca (para se alimentar, curar ou meramente existir) de tal forma indissociável que não conseguiria viver à parte.
Por outro lado, os frágeis equilíbrios da biodiversidade estão sob ameaça dos transgénicos  que, mais ou menos à socapa, invadem os campos. Os governos, inclusive europeus,  vão cedendo a este outro tipo de imperialismo: permitem a entrada e uso de sementes de produtos agrícolas com marca patenteada da Monsanto (sementes essas que não poderão reproduzir-se - somente os atos de compras periódicas), empresa americana que se acha no direito de patentear bróculos e couves lombardas, visionando explorações com mais de dez hectares e um mercado abastecido de géneros alimentícios com origem autenticada... e a ruína terminante da agricultura tradicional.