sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Menos editoras, livrarias, livros

Em oito anos, de 2004 a 2012, o país perdeu 132 livrarias. Não faltaram, é certo, as feiras de livros e as promoções de saldos, mas, apesar disso, o sinal continua a valer quanto vale. Aliás, mais expressivo se torna ainda porquanto o número das editoras também diminuiu, dado que foi maior o número das que desapareceram do que as que foram criadas.
É o que se conclui de um relatório realizado a pedido da APEL, Associação de Editores e Livreiros, pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE coordenado por José Soares da Costa e citado pelo jornal “Público” (16-09-14, p. 30). O estudo, “Comércio livreiro em Portugal”, indica que as 694 livrarias existentes em 2004 venderam 140,1 milhões e que, em 2012, as 562 restantes venderam 126,2 milhões – menos 14 milhões. Porém, o ano de 2008 assinalou um pico de vendas excepcional de 404 milhões, após o que entrou em declínio.
Realmente, 2008 permanece como um marco incontornável. O mundo (somente o Ocidental?) virou-se como simples guarda-chuva batido pela tempestade: bancos principais faliram, os governos acudiram-lhes, os Estados endividaram-se, os défices orçamentais exigiram brutais agravamentos dos impostos… e declarou-se a crise geral que estamos a viver. Isto é, a viver sob o famigerado paradigma do neoliberalismo, que promove o empobrecimento dos povos em nome da austeridade e a maior desigualdade social.
O desemprego cresceu, os salários baixaram, o consumo retraiu-se. O Estado social (e, se não for “social”, o que poderá ser o Estado?) encolheu até expor vastos segmentos da classe média arruinada aos mínimos da pobreza real. A fome, alastrando no terreno, pôs bancos alimentares e cantinas escolares em actividade máxima, e, enquanto se expandia uma linguagem desbragada, a dependência do álcool e das drogas, o número de suicídios, o bullying nas escolas e a violência doméstica, irrompia a nova geração (amiga de lobbyis, ansiosa do primeiro milhão conforme o “sonho americano” agora a realizar em Portugal) com direito a tudo sem ter feito nada e já declara os idosos descartáveis…
Naturalmente, nesta calamitosa situação, não surpreende uma diminuição da venda de livros pelas livrarias. Surpreendente será, sem dúvida, o caso dos concertos musicais de vedetas em voga, a bom preço, que se enchem ou os programas turísticos de férias no estrangeiro que se esgotam num ápice. E consta que quatro ou cinco milhões de portugueses já possuem smarphones!
O estudo põe em relevo a “crise aguda gravíssima que afectou o tecido cultural português”. De facto, esta crise entrecruza diversos factores de risco, que envolvem a circulação do livro e toda a sua vivência cultural nomeadamente com índices de segurança, bem-estar, civismo e saúde pública (incluída a mental). É uma crise feita de múltiplas crises.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Abre hoje na sede da ONU, em Nova Iorque, a reunião de 120 líderes mundiais (Barack Obama e outros;  sem Angela Merkel e Xi Jinping) para debater o grave problema planetário das alterações climáticas. Objectivo: reforçar as bases possíveis para a assinatura do protocolo internacional a assinar em Paris no fim de 2015 sobre as emissões de carbono para a atmosfera.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Cultura “pop” é popular?!


Estão sem defesa os leitores, consumidores de literatura, entregues como ficaram às lógicas lucrativistas do mercado. Todavia, isso deixa-nos em condições de avaliar o nefasto efeito das mudanças recentes por que passou o panorama da edição literária em Portugal. Tamanha e tão rápida foi a alteração que quase se poderia falar de um “antes” a contrastar com o “depois”.
Recordarei aqui apenas os acontecimentos vividos para deles extrair a devida conclusão. O ponto de viragem pode ser colocado na ofensiva do grande capital que se apoderou de quantidade substancial das editoras de livros, quando a propriedade dos jornais principais já havia caído também em poucas mãos. Mas o ponto é convencional, pois a viragem se iniciara antes, no tempo, hoje incrível, em que os jornais portugueses, matutinos e vespertinos, tinham muitos mais leitores e publicavam suplementos literários semanais com artigos, críticas, entrevistas, notícias – lembram-se?
Então, o livro, que vemos convertido agora em vulgar objecto de comércio, mantinha toda a sua dignidade cultural e nas livrarias havia espaço para mostrar as “novidades”, tão raras (e boas) que causavam prolongada sensação. Os autores amadureciam o que escreviam, os críticos apreciavam-nas orientando os leitores para as obras, que eram discutidas e exerciam realmente uma influência que hoje – tempo de banalização e banalidades – se nos afigura quase mítica. É certo, então os leitores eram poucos, mas, pelo menos, eram melhores.
Desapareceram os suplementos e as páginas literárias, os críticos eclipsaram-se, os jornais (sem censura prévia) baixaram tanto as vendas que correram a refugiar-se nos braços da publicidade a rodos e, deixando-se de idealismo, ficaram vassalos fiéis da verdade única oficial. O mercado do livro foi invadido (colonizado?) por traduções de obras dos autores de best-sellers em voga e obras de autores de best-sellers nacionais também eram traduzidos “lá fora”, de modo que, no panorama da edição literária do país em vertiginoso crescimento, se estratificou uma cultura de massas pretensamente popular.
A literatura de consumo engoliu a autêntica literatura, que cultiva a arte literária, perante os leitores indefesos, por outro lado sujeitos à pressão do conjunto dos media. A degradação do gosto dos leitores e da imagem pública do Escritor passou a reflectir-se na tipologia das obras que aparecem nos circuitos da leitura e na facilidade impressionante com que qualquer bicho-careta se decide, numa loja de print on demand, a publicar, isto é, a obrar, e a considerar-se “escritor”. Consumou-se uma brutal subversão e há por aí quem diz, apontando as consequências, que não foi nada inocente: serviu interesses não só mercantis... [Foto de Laurent Schwebel]

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Quem quer publicar livro?

O meu círculo de conhecimentos directos quase me deixa sem dúvidas. A vontade de ser “escritor” a qualquer custo expande-se com a violência de uma virose pandémica. Multiplicam-se os novos autores que por aqui aparecem de livrinho publicado com impressão por encomenda paga do seu bolso.
Portanto, vai florescente o negócio das lojas gráficas que praticam o print on demand pois não esmorece o entusiasmo indómito de quantos sonham pertencer de algum modo, seja pobre ou paupérrimo, à confraria das letras. Sem diminuição vai também a estatística anual (e o espanto) dos livros em edições novas saídos em Portugal no auge deste período de grave crise. Porém, o mercado dos livros-mercadoria, isto é, a venda, ao que consta, não anda a prosperar…
Quer dizer, a edição de livros digitais entre nós é novidade ainda em expansão… com recurso “normal” à edição física, a impressão em papel. Logo, a solução tecnológica nova, electrónica, continua a servir a velha, gutenberguiana. Será porque os espaços domésticos ainda gostam de ostentar filas de volumes, fartas lombadas, leituras feitas ou por fazer, emblemas de status cultural?
Porém, a freima que põe tanta gente a escrever e a publicar-se não terá que se responsabilizar pela carência de leitores de que se queixam os escritores mediáticos das grandes tiragens? A circunstância convida a especular pressupondo que há quantidades de leitores em deslocação por se decidirem agora a escrever os seus próprios livros. Decerto consideram isso preferível a continuarem a comprá-los.
A despesa será maior mas justifica-se como investimento de cada novo autor na sua ilustre pessoa e uma aquisição de especial relevo social – torna-se “figura pública”. Organiza sessões de apresentação da obrinha, concede autógrafos aos seus compradores e fica de ego cheio quando o jornal da paróquia o apresenta como “escritor da terra”. Vê-se perto da (ou já investido) na figura de escritor de nome feito e abençoado pelo mercado.
Certamente, o novo “escritor” leu à pressa uns quantos autores de best-sellers em voga e com eles julga ter aprendido qualquer coisa. Desconhece o que seja a Literatura e, portanto, não reconhece o que seja a mediocridade. Escreve como se habituou a ler, isto é, à pressa, e tudo nele o deixa pronto para acreditar que o sucesso se atinge pela propaganda posta ao serviço do autor, não da sua arte literária.
O observador dos factos socioculturais notará nestas evoluções reflexos de uma banalização da figura do Escritor (outrora prestigiosa como, por exemplo, a do Professor). Serão reflexos de uma banalização mais vasta. Abrange os sistemas escolares, o abaixamento geral dos níveis culturais e o entorpecimento das energias criadoras das novas gerações perante a perda dos valores de referência.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Perante um quadro exposto

A obra de arte nasce partindo naturalmente do rumor do mundo, mas, quando nos aparece, convida ao silêncio. É isto, pelo menos, o que amiúde se repete de um modo bastante consensual, ao ponto de quase nos distrair do outro lado da questão: convidando embora ao silêncio, a obra de arte aspira ao verbo. No recolhimento de que por dentro se envolve mesmo quando por fora grita, pulsa na obra o desejo latente de se esventrar em palavras. As formas e as cores realizam-se mais plenamente através do discurso.
Assim se articulam as relações da pintura com a literatura, dos pintores com os escritores. Não falo de críticos ou de historiadores da arte enquanto tais; falo, sim, da sucessão de homens de letras que ao longo dos anos escreveram sobre a obra dos artistas, seja porque com eles conviveram, quantas vezes na intimidade dos espaços domésticos ou dos próprios ateliers, seja por qualquer outra situação. De resto, alguns pintores largam mesmo os pincéis para usarem da palavra, convencidos por momentos de que esta é a sua expressão mais eloquente e satisfatória.
O signo pictórico e a palavra literária acompanham-se e complementam-se reciprocamente de tal maneira que já ninguém perde tempo a indagar o motivo por que no fundo os poetas e os ficcionistas, por exemplo, parecem estar tão próximos dos artistas e em tão boas condições de lhes entenderem as obras; o motivo, em suma, por que os textos dos catálogos de exposição e livros tendem na actualidade a constituir-se mais como comentários decorrentes de leituras feitas na matriz de cada gosto do que como abordagens críticas, isto é, valorativas, das obras em foco. Em resultado, estas tornam-se cada vez menos frequentes. A questão toda é: serão as abordagens críticas dispensáveis?
Os artistas quase nada as dispensam, pintem ou não quadros naturalistas, neo-figurativos ou os ditos abstractos. Sabemo-lo bem: desde a revolução de Marcel Duchamp, a arte do nosso tempo é uma arte intervalar, suspensa de uma espera. Exprime-se hic et nunc sem augurar um amanhã, algures. Vimos acabar as escolas, as correntes, os epigonismos, as revoluções estéticas, como se já tivesse sido descoberto tudo o que havia a descobrir; restam agora os artistas individualizados, com a multiplicidade das suas linguagens e das suas expressões pessoais. Nunca se pintou tão intensamente, tão variadamente a angústia do impasse que é a marca distintiva deste tempo.
A crise não atinge só a pintura; percorre transversalmente os sistemas da economia, da política, da ética e da estética, tocando inclusive na literatura. Os velhos cânones estão velhos em demasia, os novos ainda não advieram.
 [Cópia, parcial, de escrito em catálogo de exposição.]

segunda-feira, 1 de setembro de 2014