segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Ser «escritor», hoje

Considerei um dia que a qualificação de «escritor» era devidamente atribuída ao autor literário pelos seus leitores em resultado da quantidade e da qualidade dos aplausos que a sua obra merecia. Aplausos dos seus leitores, naturalmente, com a ponderação e o mérito, em quantidade e qualidade, de quem aplaudia. Tentava contribuir assim para moderar a pressa de um qualquer neófito se pretender reconhecido como «escritor» logo ao estrear-se nas letras.
A situação é agora um tanto diferente (e não falo dos «escritores de canções», que escrevem umas escassas letras e compõem as notas musicais no pentagrama), pelo que retomo o assunto. A cambalhota foi repentina como um passe de mágica - as editoras principais, mudando de mão, ficaram na posse de uns poucos mas grandes grupos financeiros - e o golpe deixou tudo, mais do que mudado, virado do avesso. «Escritor» é hoje, sem margem para dúvidas, o autor com bastante presença mediática.
Tem nome badalado, publica livros com estratégica regularidade, percorre o país de norte a sul apresentando as suas novidades literárias a um público sedento de autógrafos. E tem suficiente «força» no mercado, pelo que pode trabalhar com a editora convencionada, provavelmente em concorrência com outras. É, em suma, um escritor profissional e leva a sua profissão muito a sério (não o pensamento atribuído a Lao-Tsé: «O sábio é notado sem se exibir; renuncia a si mesmo e jamais será esquecido»).
Este o perfil assumido do autor que está no mercado para vender e que nessa medida agrada à sua editora porque a põe a render. Ambas as partes se entendem entendendo o livro (banalizado)  como objeto de comércio e consumo intensivo, que invade estações de correio, supermercados, livrarias, feiras de saldos, tabacarias, depois de, feito estojo, servir para guardar os autógrafos.
Conforme venho apontando desde 1994 (vd. meus livros Inclinações Pontuais, 2000, e Letras Sob Protesto, 2004) e também aqui (consultar«etiquetas»), esta situação gera variados efeitos perversos. Concentra a maioria do público e as principais editoras em torno dos fazedores de best-sellers, incentiva a progressiva redução do seu número e variedade real e, para cúmulo, reduz a liberdade de escolha dos leitores. Acresce a isto a consequência mais gravosa e daninha: uma quantidade substancial de cultores da Literatura, dos artistas da palavra estética, fica condenada a uma total inexistência, uma espécie de (mortal?) invisibilidade.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Escultura executada com metais recolhidos do lixo, de autor não designado (fonte: Internet)

domingo, 20 de novembro de 2011

A Europa a saque


Alguém que sabia muito, ou muito pouco e por isso inventava, sugeriu um dia que as espertezas da especulação financeira haviam começado, não na América onde cresciam os ecos das fraudes bancárias e dos «produtos» tóxicos, mas sim na Europa da União e da moeda comum. Deu-se-lhe nenhum crédito e a voz agourenta sumiu-se. Hoje, porém, num cenário europeu diverso, faz-se lembrar.
A Europa aparece declarada em irremediável e mesmo vertiginosa decadência. Os 17 aderentes do euro, com a Alemanha e a França na frente e a Grécia na cauda, parecem apostados numa navegação em oceanos de dívidas de Estados, bancos, empresas e famílias sem terra firme à vista. Soluções propostas para a crise estrutural arriscam-se a ser meros paliativos que apenas servirão para prolongar a agonia tornando-a mais funda e penosa.
As economias nacionais em geral perdem o vigor e afundam-se em austeridade e paralisante depressão. Já não são apenas os cinco PIIGS - Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha - ou a união monetária europeia que vacilam e ameaçam ruir. Os Estados da eurolândia aparecem à vista encostados uns aos outros como peças de dominó que um a um vão caindo nas garras da ganância internacional e  arrastando consigo os seus mais próximos. Nos Estados mais pobres, esvaídos e arruinados por débitos colossais, as classes médias esbracejam e caem na base da pirâmide social sem ter com que pagar os «buracos» postos a descoberto (isto é, perdendo empregos, habitações, direitos sociais, liberdades) e sem descobrir responsáveis responsabilizáveis.
À vista aparece também a relação íntima estabelecida pelos dirigentes da eurolândia, desde a criação do euro, com os pilares da alta finança internacional sediada em Wall Street: o FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio. Nessa relação se encontra a chave-mestra para um correcto entendimento da «crise»  gerada pelas políticas neoliberais, paradigma este concebido pelo imperialismo de novo formato que avança pelo mundo com apoio de governos e bancos, submetendo povos e países à especulação financeira selvagem.
As manifestações de «indignados» e «ocupas» apontam na direcção certa, contra a entrega dos governos a tecnocratas não eleitos (formados na Metrópole-modelo e vindos para nos incivilizar),  a subversão das regras democráticas e o próprio fim da democracia, o espezinhar impune de direitos populares consagrados, a propaganda do medo e do «terrorismo»,  a (des)informação geral. De facto, o mercado, supra-sumo do «velho» capitalismo, foi substituído pelo poder dos «mercados» financeiros, onde actua o cavalo de tróia da oligarquia dominante que põe e dispõe de Estados e governos. A Europa, americanizando-se crescentemente (até nas mentalidades), está a perder de todo a matriz humanista que recebeu com a sua egrégia herança greco-latina e a submeter-se a um saque prodigioso que deixará no terreno um estendal de pobreza e miséria, terreno empapado de sangue, suor e lágrimas mas já sem memória e outra vez aberto para nova guerra sem dúvida entre todas a mais terrível.

domingo, 13 de novembro de 2011

A erosão da costa

Uma agência da ONU virada para a conservação da natureza anunciou há dias que, a não serem tomadas medidas convenientes dentro de cinco anos, irão concretizar-se danos irreversíveis. O anúncio, sem estranheza, passou e de imediato ficou esquecido. Mas tem um alcance verdadeiramente dramático e estou a relembrá-lo por uma obrigação imposta pelas imagens divulgadas também naqueles mesmos dias pela nossa comunicação social.
As imagens e as notícias daqueles dias expunham mais uma vez o problema da erosão que atingia largos tractos da nossa costa marítima. Escrevi atingia, colocando o verbo no passado, sabendo porém que o problema se repete e se agrava desde há muitos anos. A costa portuguesa, em quase toda a sua extensão, sofre ataques das marés vivas em certos períodos do ano nos seus pontos mais baixos e indefesos.
Soam então os alarmes, avaliam-se os prejuízos e tornam os lamentos, em seguida cuida-se de amontoar aqui e ali, nos pontos críticos, mais umas pedras (se já ninguém reclama mais um quebra-mar!) e tudo fica de novo posto em sossego até às próximas investidas do oceano. Todavia, estão bem assinalados os pontos críticos: vão (ver mapa) desde a zona de Esposende até à zona do Oeste. Mas, evidentemente, há outros pontos expostos às investidas da força maior.
As alterações climáticas em curso, com a previsível subida de nível do Atlântico, juntam-se a uma certa acumulação de comportamentos de risco que, embora sonegados, são, segundo opinião credível, bem reais. Os rios selvagens portugueses estão «domesticados» com barragens, o que impede a natural reposição das areias no litoral marítimo, ali onde o mar nos parece teimoso a «comer» os areais das zonas balneares. A conjugação dos factores em presença abre a costa, aqui e ali, aos avanços das ondas salgadas, de modo que o presidente da Administração Regional Hidrográfica do Norte (Lusa/«Público», 12-11-11) aconselha já um recuo das povoações em risco para o interior.
O presidente, António Guerreiro, falou em Castelo de Neiva, Viana do Castelo, oxalá seja ouvido em todo o país.

Avaliando o próximo desenvolvimento da actual situação, é de recear que o mar venha a ocupar em breve grandes porções de território, especialmente na zona abrangida pelos pontos críticos assinalados. O rectângulo continental perderá bastante do seu tamanho, o que irá concentrar a população numa ainda mais estreita faixa pois o interior do país terá um maior ermamento. E a minha Bairrada natal - planície baixa situada entre Aveiro e Coimbra, Águeda e Cantanhede - desaparecerá, junto com a nossa Ria, sob a cobertura das águas, para emergir somente em algumas colinas dispersas acessíveis a embarcações (nessas colinas se radicaram outrora os primitivos habitantes), de modo que o mar vizinho retomará o lugar que há séculos foi seu e o assoreamento lhe secou...

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A mim, Liberdade!

Repousamos em cama de ideias feitas. São, ou parecem ser, consensuais tanto como esta: vivemos em democracia. Ora comecemos a pensar: a democracia é o regime da Liberdade consagrada nas liberdades cívicas, sabem bem disso quantos já experimentaram a ditadura.
As liberdades cívicas são inerentes à democracia, evidenciam mesmo o fôlego democrático, mais ou menos intenso, que o regime pode ter em cada momento. Sendo termos com distinta sinonímia, Liberdade e democracia unem-se na realidade em perfeita simbiose. Uma requer a existência da outra para que ambas reinem em afirmada plenitude.
Os cidadãos são livres para votar conforme entendam mas têm de ater-se à lista eleitoral em presença ou optar por votar em branco. Votam em programas políticos, designando para o efeito representantes, mas depois nada podem fazer se os seus representantes traírem o programa. O sistema representativo, tão querido pelos ideólogos da democracia formal, distancia de facto os eleitores dos eleitos após o sufrágio.
A questão, neste ponto, amplia-se. Já não bastam as liberdades cívicas e a democracia, é preciso mais, que reine a igualdade. Isto é, que o cidadão com capacidade eleitoral continue cidadão após o sufrágio, conservando intacta a sua liberdade em paridade com o seu representante.
A Liberdade, expressão rutilante da democracia, é atropelada quando um patrão alega que não obriga ninguém a ganhar seiscentos euros mensais. Ele sabe que o trabalhador aceita porque não encontra quem mais lhe pague, pensando  embora que o patrão se aproveita sabendo que outros patrões recusam pagar-lhe melhor. Não há ali igualdade entre um e o outro, nenhuma liberdade ou réstia de democracia.
Idem quando o cidadão liga o televisor ou lê a imprensa. Cada vez mais «temáticos»,  os canais assemelham-se uns aos outros ao ponto de os telejornais de canais diversos cobrirem as mesmas notícias quase em perfeita sincronia. Nos jornais do dia o cidadão encontra as narrativas noticiosas modeladas pelas imposições da Verdade Única que o privam de informação mais aberta e pluralista.
Até no supermercado, quando o comprador de uma embalagem de quilo de arroz  pretenda só meio quilo, ou dois ovos em vez de seis, se sente privado de liberdade. A normalização impõe-lhe aquela quantidade com tanta desenvoltura como a farmácia que lhe vende uma caixa de comprimidos quando pretendia apenas um. A Liberdade e a democracia florescem na terra cultivada, por isso generosa e fecunda, dos canteiros da igualdade (igualdade que é regra suprema de harmonia e portanto de justiça).

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A ordem é empobrecer!

O povo da Grécia vive uma tragédia a que devem dar atenção os outros povos do Ocidente e em especial os restantes da União Europeia. A tragédia dura há anos, de certo modo desde a Segunda Grande Guerra, prolongando-se agora numa agonia implacável e tanto mais implacável quanto mais dura. Nessa duração, porém, poderão os outros povos aprender, se quiserem, a evitar tal sorte.
Na verdade, a Grécia vai à frente do «pelotão» de países em crise como candeia que alumia o caminho traçado pela avidez gananciosa do sistema financeiro internacional. Os Portugueses, sobretudo, irão ver-se no lugar dos Gregos se não arrepiarem caminho e, em clamorosa maioria, travarem a ruinosa política pretendida pelas troikas externa e interna. A dívida pública (ou soberana, do Estado) e a crise financeira internacional servem de álibi para, em nome da «crise», extinguir as conquistas sociais obtidas com a democratização do 25 de Abril e condenar Portugal, outra vez salazarento, ao «terceiro mundo».
A indignação pública é importante indicador da reação popular, mas verdadeiramente decisiva será uma compreensão, mínima que seja, de como entramos na espiral das dívidas e no garrote que subjuga as nações para as saquear. Um governo excede o seu orçamento gastando em obras de fachada e origina um défice, vende ao desbarato património público apetitoso para compor as contas, o défice agrava-se (com a destruição de setores produtivos, austeridade e recessão), pede empréstimos e mais empréstimos à banca, as obras de fachada prosseguem e as dívidas crescem, os juros trepam, e surgem as dificuldades de «financiamento da economia nacional». O governo isenta-se de culpas e de responsabilidades, alega que o povo viveu acima das suas possibilidades e convida-o a aguentar sacrifícios mais e mais pesados... A ordem é clara: o geral empobrecimento.
Neste ponto faz-se lembrar quem há uns anos, agourento, fazia uma previsão incrível: a alta finança ensaiava na União Europeia, com a introdução do euro, uma estratégia que iria afundar as nações do sul em proveito das do norte. Hoje já se vê que a moeda única não poderá de facto ter futuro numa união de 17 membros com ritmos de desenvolvimento desiguais, assim como uma composição ferroviária com 17 carruagens em rodas de tamanho e feitio diferentes.
Então é indispensável que a população em geral perceba até que ponto o governo serviu a estratégia da alta finança especulativa em óbvio prejuízo do povo que o elegeu. Perceba até que ponto perdeu pelo caminho a democracia e a liberdade. Até que ponto as dívidas acumuladas pelo Estado transformam os cidadãos em modernos escravos que terão de lutar pela libertação.