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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O Português vai mal


À entrada, sobre o balcão da cooperativa, notou o aviso: prevenia os sócios do prazo em que deviam pagar as suas “cotas”. Depois de atendido, ele não resistiu. Questionou: porque escrevem ali “quotas” com ortografia errónea?
Sorrindo, a empregada pegou no dicionário da Porto Editora (8ª edição, 1998), abriu-o em “cotas” e leu. Para os autores (não os de outrora J. Almeida Costa e A. Sampaio e Melo), o termo também significa “quotas”. Ou seja, é equivalente.
Surpreendido com a novidade, consultou o seu próprio dicionário (7ª edição, 1994, comemorativa dos cinquenta anos daquela casa) e confirmou. Averbava igualmente “cota” com a mesma equivalência sinonímica. Logo, o desvio que aceitava reconhecendo o frequente, logo popular, desvio da norma consagrada já vinha de trás, não do anónimo departamento dos dicionários da Editora citado na edição posterior.
Por um caminho assim tão decididamente a favor da gíria popular, iremos em breve ter dicionarizadas ou aceites de pleno direito expressões correntes tão mimosas quão “à última da hora” ou “há anos atrás” e o advérbio de lugar “onde” definitivamente instalado no léxico comum ainda que se refira a lugar virtual, incorpóreo, apenas verbal? A interrogação justifica-se: é por aí que as tendências correm sobretudo em rádio e televisão.
Falar correctamente deixou definitivamente de ser apanágio de boa educação, civismo, brilho cultural. O Português anda a aparecer por aí, no meio da confusão instalada, mal vestido, enxovalhado, quase andrajoso, de modo que já não se sabe quem o fale e o escreva de forma modelar. Parece mesmo que os avanços obtidos pela população graças aos progressos da escolaridade e do ensino se reflectem cada vez menos no domínio correcto da nossa língua materna.
Nesta infeliz situação, saudemos o rasgo de Artur Anselmo, presidente da Academia de Ciências de Lisboa (ACL), que se animou a tentar uma saída. Propôs à discussão o plano de melhoria do Acordo Ortográfico de 1990 que uma comissão especializada apreciou há dias na Assembleia da República. Objectivos a atingir serão, além de melhorar, também o de estabilizar a ortografia (ainda que isso implique a separação final do Brasil nesta matéria), garantindo na prática a maior coerência e eficácia institucionais da Comunidade Lusófona.
Outra iniciativa de grande mérito tomada pela ACL será a publicação, no fim de 2018, de um novo Dicionário, normalizado, no qual estão a trabalhar dezenas de especialistas. Falece entretanto a ideia de quantos confiavam que o Português, com o Acordo de 1990, teria a ortografia unificada que de facto nunca chegou a ter. Ao invés, esta língua terá que contemplar as variedades vocabulares e gramaticais que surjam no seu espaço geopolítico.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Na barafunda ortográfica


Consumou-se o facto: sozinho, Portugal nada em seco nas águas estagnadas do Acordo Ortográfico assinado no Rio de Janeiro em 1990. Sozinho porque nenhum outro dos países lusófonos o ratificou até hoje ou parece interessado na sua aplicação. Mas cá no rectângulo ibérico, “orgulhosamente a sós” como se sabe, o AO90 passou a ser artigo de lei.
A situação consumou a barafunda. Nenhum país lusófono segue a ortografia acordada ou uma mesma ortografia com poucas e pequenas variantes. Vinte e cinco anos depois, o Acordo descambou em desacordo, o tratado (que realmente a ninguém servia), foi destratado.
O governo, que desgoverna Portugal, pode ter muito jeito para lidar com as estratégias do neoliberalismo e os negócios escuros das privatizações dos bens nacionais lucrativos cobiçados por especuladores internacionais. Pode até pretender-se convincente a evangelizar o povo para o empobrecimento. Mas é completa a sua falta de jeito para avaliar simplesmente o valor patrimonial principalíssimo da nossa língua materna.
Assim chegámos à situação actual, tão incomodativa, desagradável e acabrunhante, que põe na boca expressões de repúdio e desconforto, contundentes e feias que a pessoa cordata tem de evitar. É deprimente, canhestra e mesmo algo idiota. Deixou o país encurralado na caricata figura em que se vê.
Não se entende à primeira, nem talvez à segunda, que uma instituição idónea como a Academia das Ciências continue a assistir aos acontecimentos sem esboçar intervenção correctiva rápida e eficaz. A “nova ortografia” das consoantes mudas não unificou nada, serviu apenas para criar divisões no ambiente nacional e agravar a confusão de quem escreve. Urge resolver a situação, encontrar uma saída, de modo a libertar as escolas, as editoras de jornais e livros, enfim, toda a comunicação social da sujeição à ortografia que a lei estabeleceu definitivamente como a única legal.
O lado dos críticos que se opunham ao AO90 de facto não tem parado de crescer. Ganham força as evidências do que se passa no terreno, a barafunda ortográfica que se estabeleceu. É preciso que esta questão, de relevo verdadeiramente nacional, ganhe sem delongas espaço no parlamento e, também ali, as posições e decisões que a emergência da situação aconselhe.

terça-feira, 15 de julho de 2014

O Português nasceu em 1214?

A nossa língua materna existe há oito séculos, assinalaram diversas entidades no próprio dia da efeméride. Basearam-se no testamento do rei Afonso II (1185-1223) feito no dia 27 de Junho de 1214, documento arquivado na Torre do Tombo. Trata-se, porém, de uma data simbólica, pois nenhuma língua aparece feita de um dia para o outro.
O documento foi redigido em Coimbra, pela mão de um certo escriba, seguindo a norma que viria a consagrar-se. Mas, bem entendido, uma nova língua não é elaborada por um único escriba para uso de um povo inteiro (e, então, língua também em uso na Galiza), antes resulta de uma longa sedimentação e decantação de factores diversos presentes no terreno. É obra de uma comunidade inteira, o que nos dá motivo para considerar, à evidência, a nossa língua materna como a mais genial criação dos povos galego-português.
Todavia, houve que esperar três séculos, até 1536, pela primeira gramática de Fernão de Oliveira, publicada em Lisboa, a que se seguiu a de João de Barros quatro anos depois. A língua passou a ter as suas próprias regras de forma e composição, uma morfologia disciplinar canónica. A reluzir ficaram os contributos literários de Gil Vicente (c. 1465-c. 1536), Garcia de Resende (1470-1536), Sá de Miranda (1481-1558), Bernardim Ribeiro (1482?-1552?) e outros, de modo a perceber de relance o “salto” portentoso dado pela língua na primeira metade do século XVI.
O contributo de Luís de Camões (1524-1580), outro artífice da língua, foi marcante para o progresso do Português. Mas a língua, sistema aberto sempre vivo, continuou a evoluir tanto quanto se sabe. Estendeu-se pelo mundo onde pés portugueses se demoraram fazendo nascer, após descolonização, a CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Rodearam a organização da comunidade lusófona grandes expectativas que mais óbvias têm deixado as fraquezas de uma autêntica e eficiente política da língua que Portugal adia. A CPLP parece transformar-se, ao que se diz, sobretudo em centro diplomático de negócios e o falhanço do Acordo Ortográfico de 1990, que prometia um mínimo de unificação, deixa à solta naturais derivas.
A defesa e promoção da nossa língua materna no mundo mostra-se inadequada e inconsistente, com cada um dos países integrantes a seguir ao seu próprio ritmo. Ora, em vez das vozes que entronizam o Português com frases altissonantes, bom seria intervir no espaço da lusofonia em situações como em Timor ou na Guiné-Bissau. Neste país, por exemplo, inserido em região francófona e com uns 56% de analfabetos, as diversas etnias falam algo como 32 dialectos nativos; não existe ensino da nossa língua condigno, sendo o Português falado só por brancos e alguns guineenses escolarizados e o crioulo usado em cidades e zonas do litoral… [Nota: clique na imagem para ampliar.]

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Galiza lusófona avança

Entrou em vigor na Galiza, há poucas semanas, uma lei que introduz o estudo do Português em todos os níveis do seu sistema educativo. Aprovada por unanimidade no parlamento daquela região autónoma, a lei visa ainda o estreitamento dos laços com os países da comunidade lusófona. É um importante passo em frente que merece registo e caloroso aplauso.
A lei, resultante da proposta designada Iniciativa Valentin Paz-Andrade, teve na base a sociedade civil. Assinada por 17 mil cidadãos galegos, gerou no parlamento uma rara unanimidade das opiniões partidárias. Agora, a lei ordena ao governo galego “incorporar progressivamente a aprendizagem do Português em todos os níveis de ensino”; privilegiar o seu domínio como um mérito especial para aceder à função pública; e a tomar “quantas medidas sejam necessárias” para que o território galego receba as emissões de rádio e tv portuguesas.
Assim, a opinião pública da Galiza parece orientar-se finalmente para um consenso, encerrando o longo período de conflito linguístico em que se debatiam as correntes e se digladiavam as soluções. A adopção do Português abre mesmo o caminho para que o governo da Galiza peça para que a região autónoma entre (“de algum modo”, nota Xose Morell, porta-voz da comissão promotora da proposta) na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Citado na imprensa, Morell assegura que “hoje há mais gente que vê o galego como língua internacional e útil para se comunicar com Portugal, Brasil ou Angola”.
Efectivamente, o galego é o ancestral da nossa língua materna, conforme ensinou Manuel Rodrigues Lapa, saudoso mestre bairradino, profundo conhecedor da cultura e do povo galego, tema de estudo que manteve aberto toda a sua vida. O ensinamento do mestre juntou seguidores, os “lapistas”, e eu fui um deles. Não resta dúvida de que a língua galega se manteve paralisada sob uma conjuntura histórica secular, enquanto o Português evoluiu e se transformou no que é, uma língua de cultura.
Obviamente, a actual aproximação ao Português é, em última análise, a solução mais convincente e conveniente. Todavia, para que não se repita outro “veto de gaveta”, é preciso que o governo autónomo (de maioria absoluta PP) concretize no terreno, com meios financeiros suficientes, a lei emanada da vontade popular. E, em Portugal, será de recordar que uma delegação galega participou em 1990, no Rio de Janeiro, nas negociações da reforma ortográfica unificada, isto a sugerir a substituição da Guiné Equatorial pela Galiza na CPLP para tocar mais fundo no coração dos povos dos dois lados do rio Minho. [Foto: "Alameda das faias", plantadas no séc. XVIII em Antrim, Irlanda do Norte.]

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Acordo Ortográfico: stop?

Amontoou adversários acérrimos, provocou polémicas e ateou discussões entre as facções rivais desde que foi assinado em Lisboa em 1990. Mas quando o Acordo Ortográfico entrou oficialmente em vigor em Portugal, e o Brasil e Angola adiaram semelhante decisão, as posições estremaram-se. Agora, em Lisboa, levanta-se a questão: que fazer?
Realmente, a situação em que Portugal se vê é um tanto desconfortável. Esperar passivamente pela decisão a tomar pelos maiores países integrantes da comunidade lusófona talvez até 2015? Mas quando irão aplicar os sete países subscritores a reforma acordada?
Enfim, dois deputados decidiram levantar a questão na Assembleia da República. Na presente situação, justifica-se bem a iniciativa seja qual for o resultado que venha a obter. O Acordo Ortográfico parece ferido de morte e, se acaso pode salvar-se, mande notícias.
Vejamos, eu nunca me pronunciei contra a reforma. Ao invés, apoiei-a desde o princípio percebendo o valor da unidade linguística a preservar no espaço da lusofonia. Quando entrou em vigor, legalmente, passei a escrever, respeitando-a, no blogue e nos meus livros. Recentemente, em face da triste situação colocada aos portugueses, distanciei-me do Acordo, fiz corpo com os opositores e retornei à antiga ortografia (ver aqui, em Etiquetas: “Ortografia”).
Estou portanto à vontade para apoiar uma iniciativa que se dispõe a abordar a questão. Acho mesmo que era tempo de reagir. A situação precisa de ser analisada, discutida e convenientemente decidida.
Deve salientar-se que a ortografia oficial portuguesa acata uma reforma admitida por autêntica concessão negocial. Não era a nossa ortografia, certamente não era também a de nenhum outro país lusófono, mas foi a solução consensual encontrada pelos negociadores. Seria bonito que os acordos internacionais fossem honrados.
Finalmente, irá declarar-se que espécie de futuro espera a Comunidade de Países de Língua Portuguesa. A CPLP tem sido considerada, desde que nasceu, organização com mais sonhos do que músculo para os realizar. Se vier a desaparecer, será lamentável.
Lamentável continua a ser, de facto, para nós, que o único Museu da Língua existente no quadro lusófono tenha sido criado no Brasil e, note-se, que consiga receber milhões de visitantes (entre os quais, naturalmente, poucos portugueses se contarão).

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O futuro da lusofonia


Há poucos dias, uma conferência que reuniu em Lisboa um naipe de linguistas, debruçou-se sobre o futuro da comunidade lusófona. Considerou então que a nossa língua materna, hoje vista num sexto lugar entre as principais do mundo, iria atingir nos próximos trinta ou quarenta anos um ainda mais radioso futuro. Atingiria o terceiro lugar, a seguir ao Mandarim e ao Hindi!
O sentimento patriótico deve ter pulado nos peitos lusitanos com uma alegria de taça conquistada no campeonato e erguida, de braço no ar, em triunfo. Em tão pouco tempo, o nosso Português até iria suplantar o Inglês, língua franca da globalização! A comunidade lusófona seria, finalmente, a suprema coroa de glória do agora tão deprimido povo português…
No entanto, com tamanho optimismo, varria-se para debaixo do tapete um facto tão irrecusável quão comezinho. Não pode ser omitido que... os portugueses não são donos da sua língua! O Português pertence a cada falante e cada escrevente que, algures, resolva utilizá-lo conforme saiba ou entenda porque estará a exercer um incontestável direito!
Somar mecanicamente as populações de cada membro da comunidade e projectar no porvir as taxas dos seus crescimentos demográficos, para inserir os dados num quadro estático, é exercício vão. Vejamos: quantos indivíduos dessas populações dominam actualmente a nossa língua? Quantas, e como, aderem ou vão aderir ao Português?
Perfilhada na comunidade como língua oficial justifica, ao que parece, tiradas grandiloquentes e triunfalismos indómitos dentro do pátrio rectângulo, mas o que vale isso? Quem vai ao Brasil (o Brasil!) é questionado por bastantes dos seus naturais que lhe perguntam “que língua falam os portugueses”? Tente utilizá-la, para glorificar Camões, quem viaje pelo vasto interior de Angola… e talvez nem precise de ir mais longe.
Cada uma das oito nações da comunidade lusófona (repito: excluindo, lamentavelmente, a Galiza) segue as coordenadas de desenvolvimento da sua própria conjuntura. Todavia, são ainda raras as tentativas para apreender cada uma dessas situações particulares e as integrar numa visão complexa do conjunto em perspectiva (foi o que eu fiz em Inclinações Pontuais, Porto: Campo das Letras, 2000, pp 127-173; e, antes, na rev. “Nós”, Braga-Pontevedra, 1986-1988). Bem mais fácil – e confortável - é colocar simplesmente o conjunto lusófono no mapa das derivações românicas…
Afinal, o Português está a herdar os resultados históricos de uma prolongada falta de investimento que tem mantido a “política da língua” em banho-maria. Nem sequer teve a sorte do Inglês ou do Francês, por exemplo, nos decénios posteriores à descolonização portuguesa (até os nossos emigrantes se queixam de perder apoios escolares). Em suma, o futuro da nossa língua materna, no pátrio território, apenas provoca apreensão (conforme digo em
O futuro do Português) e o futuro da lusofonia vai também por esse caminho.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O futuro do Português

As previsões são sempre falíveis. Assumidamente, obrigatoriamente. Mas, avaliando as linhas de força da presente situação, façamos um pouco de prospectiva para indagar: que futuro pode ter a nossa língua materna?
Vou resumir algumas ideias que venho elaborando e sustentando, incluso neste blogue, sobretudo desde que a organização lusófona existe para servir uma qualquer finalidade (não me perguntem qual). A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (oito países: Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor e Portugal, com omissão da Galiza onde não falta quem reivindique a pertença!), parece  sujeita a dinâmicas internas próprias de cada um que pouco deixam à conta de “comunidade”. Num breve relance não é possível ir além de uma avaliação global da situação “comunitária”, bastando lembrar a sorte que está a ter o novo Acordo Ortográfico para a deixar demonstrada.
Portugal ficou praticamente sozinho, com o Acordo pendurado na mão, e os maiores países lusófonos reticentes, sem pressa notória quanto à adopção oficial da nova ortografia acordada em 1990. As instâncias oficiais aplicam-na junto com alguma imprensa, mas amplos sectores nacionais, relutantes, mantêm-se firmes na recusa. O resultado, obviamente, é a barafunda ortográfica que entre nós reina.
Na confusão instalada, o escrevente às tantas nem atina na grafia correcta de um vocábulo ou de um verbo. A eliminação das consoantes mudas agravou as deficiências da escolarização existentes e não serviu ainda para garantir uma unificação ortográfica mínima. Mas as deficiências do sistema escolar, acumuladas ao longo dos anos em obediência a interesses políticos obscuros, implicaram-se também na falta lamentável de uma verdadeira “política da língua” com visão e verdadeiro rasgo.
Assim desembocámos na presente situação de autêntico descalabro. Sem excessivo exagero, pode dizer-se que os Portugueses estimam e conhecem a sua língua materna como se estrangeiros fossem. O falar e o escrever correctamente são já raridades preciosas que restam apesar das deficiências do sistema escolar e dos atropelos da comunicação social no quadro da geral decadência do país.
O Português vai sendo invadido por barbarismos, sobretudo ingleses, e a realização fonética vulgar, fugindo da gramática, atenua ou apaga mesmo a sonoridade das vogais, tornando a língua, antes vocálica, mais e mais consonântica. E pior: só uma pequena parte do nosso vocabulário será talvez ainda conhecida e um tanto utilizável pela população letrada. A parte restante jaz morta e arrefece na vala comum dos dicionários depois de ter brilhado com os esplendores de uma língua de cultura.
Com tudo isto, não estaremos a condenar à ilegibilidade as obras fundamentais da literatura portuguesa? E, rapidamente, a caminhar também para implantarmos no canteiro ibérico uma língua “nossa” e só “nossa”? As próximas duas ou três gerações, herdeiras das anteriores, decidirão se os nossos livros clássicos estarão ou não redigidos numa “língua morta”.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Regresso à «outra» Ortografia

Os textos editados neste blogue começaram a aplicar as novas regras ortográficas do Acordo estabelecido pelos países lusófonos em 15-09-08 e, mais vincadamente, a partir de 26-03-10, quando entraram em vigor, oficialmente, em Portugal. A minha adesão foi sempre um tanto forçosa, pois bem percebia a inutilidade de uma resistência quando íamos atingir a unidade linguística possível na comunidade do Português. Sobreveio agora um duplo revés: o Brasil adiou a aplicação oficial do Acordo até 2015 e Angola também não mostra pressa nenhuma...

Nesta situação, perante uma unificação ortográfica (não completa nem perfeita!) que, em vez de se concretizar no terreno, sucessivamente é adiada por vontade dos dois principais países lusófonos, decido-me a regressar à «outra» ortografia. Esta decisão passou por muita hesitação, na dúvida: não irá tudo isto aumentar irremediavelmente a confusão que vai adulterando a boa escrita?

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Ortografia: o conflito

As questões da língua materna são normalmente consideradas maçudas, estéreis ou mesmo impertinentes. Interessam apenas a uns coca-bichinhos que ninguém parece ter pachorra para aturar e que portanto ficam sozinhos a falar entre si. Mas de repente acontece a maravilha: a língua materna é assunto vivo, apaixonante, galvanizador da intelectualidade portuguesa!
Repete-se o fenómeno agora que entrou em plena vigência o Acordo Ortográfico estabelecido pelos países lusófonos. Estranhamente, tudo decorria conforme as disposições nacionais, sem pôr a ferver opiniões pró e contra, e a aplicação do Acordo avançava entre nós fazendo ouvir não mais que uns leves murmúrios de contrariedade. Teria deixado a língua de ser motivo de paixão?!
De súbito, entra em funções outro administrador do Centro Cultural de Belém, tropeça ali com a regra ortográfica em uso oficial e o rastilho começa a arder. Vasco Graça Moura era um renitente opositor da reforma e, apesar de se situar na área do PSD, partido principal do Governo, não hesitou em soltar um clamor. Bastou para incendiar as opiniões caladas.
Organizaram-se abaixo-assinados, movimento de cidadãos, campanhas na Net e na imprensa, todo um coro frenético a pedir a abolição do Acordo internacional que instituiu a comunidade lusófona (CPLP). Mas é tarde e, suponho, também inútil o «NÃO». Portugal (que tem direito irrecusável de não pagar as suas dívidas soberanas sem as analisar e discutir uma a uma) não tem tempo a  perder a discutir a questão ortográfica - esse espantoso drama das consoantes mudas.
Dispensando repetir razões (ver etiquetas), direi somente que a nova ortografia se tornou de facto obrigatória nas instituições do Estado, escolas, entidades públicas e pouco mais. Cada pessoa continua a poder escrever conforme entenda, com ortografia arcaica, digamos de há cem anos, ou atual, que ninguém lhe irá à mão por isso. Cuidando decerto em não confundir o código escrito com a oralidade, pois fala sem pensar na reforma ainda que a acate...
O amigo Vasco Graça Moura, escritor reputado, grande poeta e tradutor de clássicos (da última vez que nos vimos em Lisboa deu-me uma boa nova: estreou-se, começando a publicar por minha mão num suplemento literário mensal que dirigia em jornal de Águeda), embirre quanto quiser com o Acordo, tem esse direito. Mas ele, homem de cultura, sabe muito bem que usa hoje um Português notavelmente diverso, por exemplo, do que eu aprendi a escrever na escola primária. Desde então, passei por várias reformas e agora entro nesta...
A questão ortográfica não se me afigura assim tão dramática nem tão determinante. Nestes termos ponho a degradação a que chegou a língua portuguesa no país que a engendrou. Isso sim, é tão preocupante que já me perguntei se haverá leitores capazes de compreender, não digo Camões, Camilo ou Aquilino, mas tão só Eça, Ferreira de Castro ou Fernando Namora dentro de duas ou três gerações...