A nossa língua materna existe há oito séculos, assinalaram diversas entidades no próprio dia da efeméride. Basearam-se no testamento do rei Afonso II (1185-1223) feito no dia 27 de Junho de 1214, documento arquivado na Torre do Tombo. Trata-se, porém, de uma data simbólica, pois nenhuma língua aparece feita de um dia para o outro.
O documento foi redigido em Coimbra, pela mão de um certo escriba, seguindo a norma que viria a consagrar-se. Mas, bem entendido, uma nova língua não é elaborada por um único escriba para uso de um povo inteiro (e, então, língua também em uso na Galiza), antes resulta de uma longa sedimentação e decantação de factores diversos presentes no terreno. É obra de uma comunidade inteira, o que nos dá motivo para considerar, à evidência, a nossa língua materna como a mais genial criação dos povos galego-português.
Todavia, houve que esperar três séculos, até 1536, pela primeira gramática de Fernão de Oliveira, publicada em Lisboa, a que se seguiu a de João de Barros quatro anos depois. A língua passou a ter as suas próprias regras de forma e composição, uma morfologia disciplinar canónica. A reluzir ficaram os contributos literários de Gil Vicente (c. 1465-c. 1536), Garcia de Resende (1470-1536), Sá de Miranda (1481-1558), Bernardim Ribeiro (1482?-1552?) e outros, de modo a perceber de relance o “salto” portentoso dado pela língua na primeira metade do século XVI.
O contributo de Luís de Camões (1524-1580), outro artífice da língua, foi marcante para o progresso do Português. Mas a língua, sistema aberto sempre vivo, continuou a evoluir tanto quanto se sabe. Estendeu-se pelo mundo onde pés portugueses se demoraram fazendo nascer, após descolonização, a CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Rodearam a organização da comunidade lusófona grandes expectativas que mais óbvias têm deixado as fraquezas de uma autêntica e eficiente política da língua que Portugal adia. A CPLP parece transformar-se, ao que se diz, sobretudo em centro diplomático de negócios e o falhanço do Acordo Ortográfico de 1990, que prometia um mínimo de unificação, deixa à solta naturais derivas.
A defesa e promoção da nossa língua materna no mundo mostra-se inadequada e inconsistente, com cada um dos países integrantes a seguir ao seu próprio ritmo. Ora, em vez das vozes que entronizam o Português com frases altissonantes, bom seria intervir no espaço da lusofonia em situações como em Timor ou na Guiné-Bissau. Neste país, por exemplo, inserido em região francófona e com uns 56% de analfabetos, as diversas etnias falam algo como 32 dialectos nativos; não existe ensino da nossa língua condigno, sendo o Português falado só por brancos e alguns guineenses escolarizados e o crioulo usado em cidades e zonas do litoral… [Nota: clique na imagem para ampliar.]
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