A Constituição da República não consagra expressamente que o Estado é laico. O Artigo 41, sobre “Liberdade de consciência, de religião e de culto”, deixa o assunto em indefinição de modo a servir com oportunidade quaisquer interesses. Todavia, um Estado que se pretenda moderno opta decididamente pela laicidade, declarando na sua lei fundamental que não tem religião porque nenhuma assume.
Segundo os livros, a vida laica é não religiosa; é profana, mundana, apreciadora dos prazeres sensuais. Laica também é leiga (sem pertença a ordens sacras), vida ignorante “do povo” no mundo secular contraposto a mundo espiritual. Mas o estilo da vida moderno tornou-se tão assumidamente laico que se torna cada vez mais estranho o facto de a laicidade da nossa República não aparecer consagrada na ordem constitucional vigente.
A presente situação mantém-se desde 2004, ano da nova concordata que substituiu a de 1940. Foi negociada por Portugal com o Estado do Vaticano quando Durão Barroso era primeiro-ministro. Desperdiçada ficou a oportunidade para proceder ao aggionarmento que já então se impunha, deixando a reinar a ambiguidade.
Enfim, a separação do Estado das várias igrejas não priva a Católica de uns antigos privilégios que não quer perder e que nenhuma outra alcança. Os portugueses até podem ser muito católicos mas não cumpre ao Estado sê-lo. Se for ou se é, perde a independência, torna-se confessional, um Estado teísta como os poucos que restam no mundo e que os governos ocidentais tão acirradamente condenam.
Na realidade, as coisas conjugam-se de maneira a beneficiar a Igreja Católica com importantes privilégios. O ensino católico obtém largos apoios oficiais (quando “O ensino público não será confessional”: Const., Artº 43, 3) mas vêem-se cruzes em escolas públicas, sacerdotes a abençoar novos equipamentos, presença de entidades católicas em actos oficiais, etc. Entre bastantes isenções de impostos e outras variadas regalias conservadas pela Igreja, é de notar a conservação da capelania das Forças Armadas.
Em data recente, quando o governo PSD/CDS decidiu abolir uma quantidade de feriados nacionais, causou geral surpresa e algum escândalo a simetria numérica imposta: o Estado abolia cinco feriados civis e a Igreja Católica abolia outros tantos, religiosos. Reacendeu-se mais uma vez a velha questão: o Estado tem ainda agora que continuar a prestar contas à Igreja? O que é de César não tem que ser de César? [Imagem: cerâmica de inspiração mourisca, com motivos relevados, painel de Rafael Bordalo Pinheiro.]
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