domingo, 13 de novembro de 2011

A erosão da costa

Uma agência da ONU virada para a conservação da natureza anunciou há dias que, a não serem tomadas medidas convenientes dentro de cinco anos, irão concretizar-se danos irreversíveis. O anúncio, sem estranheza, passou e de imediato ficou esquecido. Mas tem um alcance verdadeiramente dramático e estou a relembrá-lo por uma obrigação imposta pelas imagens divulgadas também naqueles mesmos dias pela nossa comunicação social.
As imagens e as notícias daqueles dias expunham mais uma vez o problema da erosão que atingia largos tractos da nossa costa marítima. Escrevi atingia, colocando o verbo no passado, sabendo porém que o problema se repete e se agrava desde há muitos anos. A costa portuguesa, em quase toda a sua extensão, sofre ataques das marés vivas em certos períodos do ano nos seus pontos mais baixos e indefesos.
Soam então os alarmes, avaliam-se os prejuízos e tornam os lamentos, em seguida cuida-se de amontoar aqui e ali, nos pontos críticos, mais umas pedras (se já ninguém reclama mais um quebra-mar!) e tudo fica de novo posto em sossego até às próximas investidas do oceano. Todavia, estão bem assinalados os pontos críticos: vão (ver mapa) desde a zona de Esposende até à zona do Oeste. Mas, evidentemente, há outros pontos expostos às investidas da força maior.
As alterações climáticas em curso, com a previsível subida de nível do Atlântico, juntam-se a uma certa acumulação de comportamentos de risco que, embora sonegados, são, segundo opinião credível, bem reais. Os rios selvagens portugueses estão «domesticados» com barragens, o que impede a natural reposição das areias no litoral marítimo, ali onde o mar nos parece teimoso a «comer» os areais das zonas balneares. A conjugação dos factores em presença abre a costa, aqui e ali, aos avanços das ondas salgadas, de modo que o presidente da Administração Regional Hidrográfica do Norte (Lusa/«Público», 12-11-11) aconselha já um recuo das povoações em risco para o interior.
O presidente, António Guerreiro, falou em Castelo de Neiva, Viana do Castelo, oxalá seja ouvido em todo o país.

Avaliando o próximo desenvolvimento da actual situação, é de recear que o mar venha a ocupar em breve grandes porções de território, especialmente na zona abrangida pelos pontos críticos assinalados. O rectângulo continental perderá bastante do seu tamanho, o que irá concentrar a população numa ainda mais estreita faixa pois o interior do país terá um maior ermamento. E a minha Bairrada natal - planície baixa situada entre Aveiro e Coimbra, Águeda e Cantanhede - desaparecerá, junto com a nossa Ria, sob a cobertura das águas, para emergir somente em algumas colinas dispersas acessíveis a embarcações (nessas colinas se radicaram outrora os primitivos habitantes), de modo que o mar vizinho retomará o lugar que há séculos foi seu e o assoreamento lhe secou...

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei do teu artigo. É interessante notar que há dias vi umas fotos que mostraram o mar depois de ter galgado as praias, ao sul da Vagueira, destruindo a estrada e juntando as suas águas com as da Ria.

A erosão da nossa costa maritima é real e merece toda a nossa atenção. Mas as consequências deste tipo de problemas nem sempre são bem compreendidas.
O nosso planeta sempre esteve sujeito a alterações. Maiores ou menores acontecimentos naturais, tais como abalos sismicos, erupções vulcânicas, inundações, furacões, marés vivas, fogos, secas, etc., continuam a reconfigurar o nosso mundo fisico. Existem relatórios que documentam estes acontecimentos através dos séculos. E, apesar de toda a informação que existe e que nos deveria alertar das graves consequências destes eventos, a sociedade em geral continua a ignorá-los. Continuamos a construir em lugares inapropriados, ignorando as implicações dos acontecimentos naturais que podem ser potencialmente devastadores.
Rios necessitam de áreas e espaços para acomodar águas torrenciais ou chuvas de longa duração mas esses espaços são frequentemente usados para construções urbanas que expõem os habitantes a riscos de vida e à devastação do investimento. O mesmo acontece em muitos lugares ao longo da nossa costa maritima, onde os investidores ignoram a história e as implicações de se localizarem em áreas que, de quando em quando, o mar reclama como suas.
Os impactos do mar na nossa costa não são casos novos. Sempre existiram. O que é novo é a intensidade das marés vivas e a sua capacidade de destruir. Não há dúvida de que esta intensidade e frequência das marés vivas são parcialmente atribuídas ao aquecimento global, resultado do consumo excessivo de combustíveis fósseis e também de outros factores.
Nunca é tarde para reconhecer que há limites na capacidade do homem de manipular, com sucesso, as forças da natureza. O preço a pagar por essa manipulação pode ser mesmo muito elevada.

Alcides Freitas

A. M. disse...

Caro Alcides:

Registo com agrado e agradecimento o teu comentário. É tempo de acabar com tanta indiferença que acumula até mais não as agressões à natureza. É preciso abrir os olhos, tomar consciência, exigir medidas a nós próprios e ao Governo (nacional ou regional). Falta traçar e aplicar no terreno um criterioso e autêntico ordenamento territorial. É preciso mais cidadania esclarecida e interventiva. É preciso melhor Governo, um Governo que olhe de verdade para os problemas do país e não só para os dos seus queridinhos!
Ou será que este desgraçado país já não tem, a sério, quem o queira?!