quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Cultura “pop” é popular?!


Estão sem defesa os leitores, consumidores de literatura, entregues como ficaram às lógicas lucrativistas do mercado. Todavia, isso deixa-nos em condições de avaliar o nefasto efeito das mudanças recentes por que passou o panorama da edição literária em Portugal. Tamanha e tão rápida foi a alteração que quase se poderia falar de um “antes” a contrastar com o “depois”.
Recordarei aqui apenas os acontecimentos vividos para deles extrair a devida conclusão. O ponto de viragem pode ser colocado na ofensiva do grande capital que se apoderou de quantidade substancial das editoras de livros, quando a propriedade dos jornais principais já havia caído também em poucas mãos. Mas o ponto é convencional, pois a viragem se iniciara antes, no tempo, hoje incrível, em que os jornais portugueses, matutinos e vespertinos, tinham muitos mais leitores e publicavam suplementos literários semanais com artigos, críticas, entrevistas, notícias – lembram-se?
Então, o livro, que vemos convertido agora em vulgar objecto de comércio, mantinha toda a sua dignidade cultural e nas livrarias havia espaço para mostrar as “novidades”, tão raras (e boas) que causavam prolongada sensação. Os autores amadureciam o que escreviam, os críticos apreciavam-nas orientando os leitores para as obras, que eram discutidas e exerciam realmente uma influência que hoje – tempo de banalização e banalidades – se nos afigura quase mítica. É certo, então os leitores eram poucos, mas, pelo menos, eram melhores.
Desapareceram os suplementos e as páginas literárias, os críticos eclipsaram-se, os jornais (sem censura prévia) baixaram tanto as vendas que correram a refugiar-se nos braços da publicidade a rodos e, deixando-se de idealismo, ficaram vassalos fiéis da verdade única oficial. O mercado do livro foi invadido (colonizado?) por traduções de obras dos autores de best-sellers em voga e obras de autores de best-sellers nacionais também eram traduzidos “lá fora”, de modo que, no panorama da edição literária do país em vertiginoso crescimento, se estratificou uma cultura de massas pretensamente popular.
A literatura de consumo engoliu a autêntica literatura, que cultiva a arte literária, perante os leitores indefesos, por outro lado sujeitos à pressão do conjunto dos media. A degradação do gosto dos leitores e da imagem pública do Escritor passou a reflectir-se na tipologia das obras que aparecem nos circuitos da leitura e na facilidade impressionante com que qualquer bicho-careta se decide, numa loja de print on demand, a publicar, isto é, a obrar, e a considerar-se “escritor”. Consumou-se uma brutal subversão e há por aí quem diz, apontando as consequências, que não foi nada inocente: serviu interesses não só mercantis... [Foto de Laurent Schwebel]

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