Em oito anos, de 2004 a 2012, o país perdeu 132 livrarias. Não faltaram, é certo, as feiras de livros e as promoções de saldos, mas, apesar disso, o sinal continua a valer quanto vale. Aliás, mais expressivo se torna ainda porquanto o número das editoras também diminuiu, dado que foi maior o número das que desapareceram do que as que foram criadas.
É o que se conclui de um relatório realizado a pedido da APEL, Associação de Editores e Livreiros, pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE coordenado por José Soares da Costa e citado pelo jornal “Público” (16-09-14, p. 30). O estudo, “Comércio livreiro em Portugal”, indica que as 694 livrarias existentes em 2004 venderam 140,1 milhões e que, em 2012, as 562 restantes venderam 126,2 milhões – menos 14 milhões. Porém, o ano de 2008 assinalou um pico de vendas excepcional de 404 milhões, após o que entrou em declínio.
Realmente, 2008 permanece como um marco incontornável. O mundo (somente o Ocidental?) virou-se como simples guarda-chuva batido pela tempestade: bancos principais faliram, os governos acudiram-lhes, os Estados endividaram-se, os défices orçamentais exigiram brutais agravamentos dos impostos… e declarou-se a crise geral que estamos a viver. Isto é, a viver sob o famigerado paradigma do neoliberalismo, que promove o empobrecimento dos povos em nome da austeridade e a maior desigualdade social.
O desemprego cresceu, os salários baixaram, o consumo retraiu-se. O Estado social (e, se não for “social”, o que poderá ser o Estado?) encolheu até expor vastos segmentos da classe média arruinada aos mínimos da pobreza real. A fome, alastrando no terreno, pôs bancos alimentares e cantinas escolares em actividade máxima, e, enquanto se expandia uma linguagem desbragada, a dependência do álcool e das drogas, o número de suicídios, o bullying nas escolas e a violência doméstica, irrompia a nova geração (amiga de lobbyis, ansiosa do primeiro milhão conforme o “sonho americano” agora a realizar em Portugal) com direito a tudo sem ter feito nada e já declara os idosos descartáveis…
Naturalmente, nesta calamitosa situação, não surpreende uma diminuição da venda de livros pelas livrarias. Surpreendente será, sem dúvida, o caso dos concertos musicais de vedetas em voga, a bom preço, que se enchem ou os programas turísticos de férias no estrangeiro que se esgotam num ápice. E consta que quatro ou cinco milhões de portugueses já possuem smarphones!
O estudo põe em relevo a “crise aguda gravíssima que afectou o tecido cultural português”. De facto, esta crise entrecruza diversos factores de risco, que envolvem a circulação do livro e toda a sua vivência cultural nomeadamente com índices de segurança, bem-estar, civismo e saúde pública (incluída a mental). É uma crise feita de múltiplas crises.
1 comentário:
"O Estado social (e, se não for “social”, o que poderá ser o Estado?)": basta esta tua pergunta para "arrasar" os discursos que tentam impingir-nos! É sempre muito bom ler-te, caríssimo Arsénio.
Grande abraço,
Rui
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