A bizarria está no primeiro termo aposto ao segundo. Então um poeta não será também, para todos os efeitos, escritor? Por quê a redundância?
Um poeta escreve compondo poemas, o escritor escreve compondo prosas. Ambos utilizam a língua para trabalhar na literatura sendo igualmente escritores e, nesta qualidade, igualmente poetas. De facto, ainda que as áreas da poesia e da prosa sejam diversas e, até certo ponto, caracterizadas, no limite acabam por se confundir.
A criação literária, para o ser, tem de se imbuir de um halo poético envolvente. De contrário, como se compreenderia a inclinação de tantos novos autores que começam as suas pessoais trajectórias literárias com poemas? Muitos deles, porém, não demoram a desistir dos poemas e a concentrar-se nos enleios da prosa, percebendo que a poesia estreme é realmente o quid mais difícil da arte literária.
É a poesia, em suma, a essência desta arte (e talvez mesmo de todas as artes). Cada página que um escritor considera terminada contém esse quid esquivo que transfigura as linhas do texto num passe de mágica beleza. Sem transfiguração poética, as palavras do poema ou da prosa permanecem adormecidas ou mortas.
Evidentemente, o leitor que o escritor é e continua a ser, incluso do que vai escrevendo, julgará cada página de sua autoria com a maior benevolência ou o maior rigor, de acordo com o seu pessoal sentido crítico. É neste ponto preciso que se define a qualidade e o mérito do que escreveu ou possa escrever. Revela aí a formação do seu gosto literário como leitor e logo, também, em simbiose, como autor.
Dir-se-ia que o número de novos autores se vai multiplicando devido às pressas. Pressa de ler qualquer coisa sem grande escolha, de sentir o gosto formado e de “estar maduro” para escrever e publicar. Talvez sejam as pressas todas do nosso tempo que banalizam a figura do Escritor.
Mas tantas pressas beneficiam a Literatura? Redondamente, não. A arte literária pede concentração e repouso em dádiva tão plena que é a página composta com todo o tempo do mundo e o esmero sofrido do artesão que fica a brilhar (evocando peripécias como a noite de vigília de certo escritor hesitante numa simples vírgula).
A situação actual parece tornar-se asfixiante. Muitos dos novos autores, que querem ser escritores, dispensam os tormentos e demoras da arte literária. Podem folgar, pois fica longe a nevada montanha, perto de Delfos, que, segundo a mitologia, era a eminente morada de Apolo e das Musas, montanha tão venerada que os gregos arrojavam os sacrílegos dos Rochedos de Fedríades (comentário: não apeteceria hoje livrar as artes literárias de tantos maus cultores de um modo menos brutal mas igualmente eficaz?)
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