quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A comida e a cultura

Têm abundância de motivo os adeptos dos prazeres da boa mesa que se justificam repetindo a frase em voga: comer é um ato de cultura. Pois é, mas ocorre a pergunta: quem mastiga comida lenta alcança até que ponto a verdade factual do dito? O sentido da frase é amplo e é rico, vale a pena sondá-lo nem que seja num breve bosquejo.
Teremos, mais uma vez, de pegar em palavras para as abrirmos e vermos os vestígios que nelas se contém, pois em questões idosas como as da comida teremos que nos limitar a uma abordagem filológica. Realmente, relacionadas com o alimento, aparecem palavras cujas raízes etimológicas ainda podem surpreender os leigos. O saber parece ter começado pela capacidade de distinguir o sabor...
O sapore latino (sabor, gosto, odor, perfume, ação de provar) confunde-se com o sapere (saber, ter gosto, exalar cheiro ou odor) e a sapientia (sabedoria). Gustare (gostar, provar, comparar), assim como degustar (provar, apreciar, saborear), remete igualmente para a capacidade humana do paladar enquanto órgão de distinção inteligente. Nesta base, nem admira já que o symposium (banquete, festim) tenha expandido o seu campo semântico até abranger a designação do nutrido volume que víamos nos consultórios médicos.
Os requintes da boca estimularam sempre os requintes da faculdade pensante, eis o que pode concluir-se. Todavia, mesmo com as meninges bem acordadas por ricos manjares, talvez só uns poucos dos comensais sentados à mesa serão capazes de consciencializar que é pela alimentação que todos se integram no sistema da natureza em que vivemos e nos faz viver. O «ato de cultura» ficaria completo.

2 comentários:

Anónimo disse...

O prazer de um "pequeno almoço" especial...
Abraço,
Rui

A. M. disse...

Foste visitante matutino? Tenho que te arranjar condecoração: és o mais rápido e atento!
Abração.