
Porque, não há dúvida, este gato, malhado, quer ser mesmo um autêntico radical. Ter toda a liberdade, toda a independência. Um dia apareceu ali acompanhado por outro felídeo, seria uma gata namoradeira, tomou o seu banho de sol afastando-a meio metro, as tardes seguintes foram de feliz noivado, mas logo depois a bichana, descontente ou desiludida, desapareceu.
Este gato é dos que caem sempre de pé. Para chegar ao seu lugar ao sol tem que trepar, na rua, uma parede alta. Mas ele, no passeio, afasta-se medindo a distância, apoia-se nas patas traseiras e dispara o salto já de unhas afiadas para, como alpinista, marinhar muro acima e saltar para o interior do terreno.
Evidentemente, aquele lugar foi escolhido com a maior exigência. É um pedaço de cimento liso, na orla de um matagal bravio em terreno abandonado onde não é fácil penetrar nem foi fácil descobrir. E aquele pedaço liso, e limpo, fica no sopé de uma parede virada a sul onde o sol refulge, glorioso, toda a tarde.
Quentinho e sossegado para estar com o lado bom da vida. Não é fácil isto, não, ao que se vê por aí, tanta carne viva a arder nas chamas das fogueiras do burnout. Mas este gato sem nome sabe bem o que quer, sabendo querer pouco.
Descansa dormitando, de rabo encolhido, patinhas dobradas e a cabeça quase parada mas de atenção desperta. Uma única vez, porém, ergueu os olhos para a minha janela, olhámo-nos naquele instante e demo-nos a conhecer. Passou então a ser o meu gato.
Penso que ele consegue o milagre de saber tudo quanto precisa de saber. Não o posso garantir, mas talvez ele, ali cavilando, filosofe. Muda de sítio, deita-se agora num outro bocado de cimento batido pelo sol, talvez se inquiete com os refugiados da guerra que a Europa expulsa, com os palestinianos da pátria ocupada, com a situação no Iraque e na Líbia, com a paralisação global da economia e o poder sem freio da alta finança internacional que abraça asfixiando o mundo…