sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Arte não tem idade

No período terminal da sua vida, Vergílio Ferreira (1916-1996) continuou a escrever afanosamente. Dizia que precisava dessa atividade para seguir vivendo. Os seus leitores, porém, sentiam nas páginas que então escrevia uma perda do fulgor que notabilizara Aparição ou Estrela Polar e alguns críticos até sugeriam que o romancista retomava, repetindo, os seus temas essenciais como que em busca da obra definitiva, perfeita.
Ocorreu algo parecido também com Eugénio de Andrade (1923-2005), quando o poeta, já debilitado pela doença e a idade, se esforçava em publicar para atender às necessidades da fundação de que era patrono. Houve quem notasse o esforço, notando ao mesmo tempo alguma cedência do rigor do poeta à necessidade de gerar direitos de autor. Não são casos únicos os casos de Vergílio Ferreira e Eugénio, pois muitos outros se encontram na extensão do universo literário.
Esta questão ressurgiu no correr de uma conversa e ficou à tona, a pedir desenvolvimento, provando que não há questões velhas e arrumadas, pois todas precisam de a elas regressarmos de vez em quando para as debatermos como se novas fossem. A ideia central consiste em perceber se com efeito a arte não tem idade. Parece óbvio que não tem, rodeados como nos vemos por tantas expressões de arte «sem idade» porque se tornaram «clássicas», digamos, de sempre.
Todavia, isso não impede que a obra de arte surja com marcas do seu tempo, pois será a síntese desse mesmo tempo nela cristalizado que amiúde a tornam memorável. A arte, realmente, não tem idade, mas o seu criador, o artista, esse tem-na. E deve saber, em proveito próprio, quando parar.
Se, como ao ginasta habituado a exercitar músculos e articulações, não lhe convier a imobilização no interesse da própria saúde, pratique em casa, fora das atenções do mundo.

4 comentários:

Anónimo disse...

Sábias palavras. E, como fica demonstrado, este "artista" Arsénio ainda pode praticar à nossa frente!
Bom outubro, com abraço,
Rui

A. M. disse...

Amigo:
Achaste contradição? Nesse caso, vê como este simples cronicar não tem arte (posto que a Literatura, sim, é uma arte).
Abraço.

Anónimo disse...

Caro Amigo:

Que estas palavras não sejam um alerta... para nos ir deixando de contemplar com as suas crónicas. Que o escriba não saiba quando deve parar, e que escreva sempre até que a pena lhe caia da mesa para o chão. E mesmo fora das atenções do mundo, que exista uma pequena janela onde possamos sempre espreitá-lo, na sua arte de laboração escrita.

Um grande abraço e obrigado.
António Canteiro

A. M. disse...

Caro António Canteiro:
A croniqueta, obviamente, não contém nenhum alerta. O facto de ir nos meus 81 apenas pode garantir ao respeitável público que o escriba está cada vez mais longe de parir obra prima. E que pretende saber, na modéstia da sua condição de escriba, quando deverá parar.
Abraço.