domingo, 4 de dezembro de 2011

Um político exemplar

Faltam ideais e mestres com fibra para erguerem esses ideais como bandeiras de luz nestes nossos negregados tempos de crise - e de crise decerto porque nem mestres nem ideais têm agora multidões que os sigam. Abunda, ao invés, quem transforma a política em negócio, o interesse pessoal em filosofia de vida, o individualismo egoísta em princípio ético. Afastemo-nos então do ambiente apodrecido e procuremos ares de renovação.
Manuel de Arriaga (1840-1917) pode ser considerado um mestre pela coerência exemplar com que pautou a sua vida e obra. Um pequeno esquisso poderá evocar-lhe o perfil. Foi o primeiro presidente da República (24-08-1911/29-05-1915), eleito quando já ia nos 71 anos de idade, pois nasceu em 08-07-1840 na Horta, Faial, Açores; continuou porém a morar na sua casa e ia de elétrico para o palácio.
Um dos traços salientes do seu carácter é o da sua extrema modéstia. Até pelo nome abreviado por que se deu a conhecer isso se revela. Completo, seria Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelonguem, com o inconveniente de recordar o pai, rico comerciante e grande proprietário do Faial, alegado descendente de flamengo, um dos primeiros povoadores da ilha.
Manuel de Arriaga licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra, onde sobressaiu como aluno brilhante, defensor da República (nos anos '60 do século XIX!). Seu pai, monárquico ferrenho, expulsou-o de casa e quis deserdá-lo, o que o obrigou a trabalhar para si e seu irmão, que apoiou sempre nos estudos e logo seria escritor. Ensinou inglês, língua que aprendera na Horta e que continuou a ensinar quase toda a vida.
Destacou-se como notável orador e obreiro do Partido Republicano Português desde 1865, quando, já licenciado, exerceu a advocacia em Lisboa. Em 1871 subscreveu o programa das conferências democráticas do Casino Lisbonense; casou em Valença e participou na comissão para a Reforma da Instrução Secundária. Em 1881 o pai faleceu e ele herdou no Faial e no Pico.
No entanto, na vida de Manuel de Arriaga não houve falta de reveses e agruras. Quando, finalmente, foi deputado, defendeu ardorosamente a soberania popular com amplas liberdades cívicas e demonstrou o seu elevado rigor ético renunciando, em 1883, ao vencimento como professor liceal. Em fevereiro de 1890, porque manifestou repúdio ao ultimato inglês, foi preso.
Foi eleito para outros dois mandatos parlamentares mas, nos derradeiros anos do século, Manuel de Arriaga esfriou o interesse pelo Parlamento e mesmo a acção política. Dedicou-se à literatura, elaborando, entre 1899 e 1907, dois livros de poesia e um de prosa. Em 1910 foi ainda reitor da Universidade de Coimbra, então tumultuosa, e procurador-geral da República.
A grande instabilidade política do país e do próprio PRP levaram-no, em 1915, após a formação da junta militar, a tomar posições que mais tarde foram duramente contestadas até pelos seus correlegionários. Tentou justificar as suas opções políticas em livro saído em 1916 parece que sem resultado. Ficou condenado a um limbo algo degradante de que só saiu em anos recentes - corrido quase um século! - graças a iniciativas meritórias que o redimiam. [Imagem: retrato (reduzido) de Manuel de Arriaga por Rafael Bordalo Pinheiro.]

1 comentário:

Anónimo disse...

http://www.arseniomota.blogspot.com/ - um blog para ler a qualquer hora!
Abraço, até logo,
Rui