sexta-feira, 14 de setembro de 2012

E sempre sem diplomas!

Pegando na deixa da crónica precedente, devo notar que temos por aqui uma outra crónica de sucesso comparável. É a «Sem diplomas» (25-07-10), que tem sequência na «Pois, sem diplomas!» (04-07-11). O espanto, talvez mesmo o escândalo de certos leitores provinha claramente do facto de me apresentar sem licenciatura e de, sem pudor, dir-se-ia com um orgulho mal disfarçado, assumir a condição de autodidata.
As duas crónicas ficaram recolhidas no segundo volume de E Foi Assim por nelas se espelhar o que se me afigura um dos mais vivos paradoxos do nosso tempo. Cursos superiores com licenciatura multiplicaram-se ao abrigo da democratização do ensino e, como se sabe, lamentavelmente, até ficaram ao alcance de quem tem pressa e poder para obter o apetecido diploma em universidade carecida de receitas. Todavia, todos reconhecem também que, contra as aparências, esse avanço parece não corresponder a grande melhoria do nível de cultura geral dos portugueses...
Nesta situação, fazem-se ouvir os idosos que, vindos de outrora - quando valia a valer a capacidade do indivíduo afirmada na prática e, portanto, valor traduzido em ato -, encaram com reserva ou suspeita o ensino superior, desdenhando dos canudos de licenciados dos tais ditos «de aviário». Acham preferível a escola antiga, onde se aprendia com aplicação e disciplina. Radicam-se na atitude que acredita nos méritos demonstrados pela pessoa concreta e não nos seus diplomas. 
É, quer-me parecer, atitude prudente e defensável. Nas crónicas supracitadas referencio alguns casos de escritores que se afirmaram na nossa Literatura desprovidos de canudo apropriado. Mas quem, recuando um pouco no tempo, lance o olhar para lá de 1930 e entre no século XIX, bem pode estarrecer.
Abundam os casos frisantes. Por exemplo, Rodrigues Sampaio (António), Rebelo da Silva (Luís Augusto) ou Oliveira Martins não passaram por universidade e, escrevendo livros ou na imprensa, deixaram memória cintilante no liberalismo luso. Saboreie-se agora a surpresa maior: Camilo Castelo Branco, consagrado mestre da língua vernácula, e Alexandre Herculano, poeta, romancista e egrégio fundador da nossa historiografia, formaram-se igualmente sem universidade.
Quem o lembra é nada menos que Sampaio Bruno (1857-1915), outro autodidata, portuense espantoso que sabia latim, inglês, francês, italiano, espanhol, além de possuir profundos conhecimentos de filosofia, religião, matemática, música. Recordei há semanas o seu livro A Ideia de Deus onde o tema é equacionado. Então, muito a propósito, de Eça de Queirós, bacharel, José Pereira de Sampaio (Bruno em memória de Jordano Bruno) evoca a página queirosiana que fala dos quatrocentos mil bachareis portugueses capazes de requererem nestes termos: «Diz Fulano de Tal, bacharel formado em direito, não sabendo ler nem escrever, pela mão dum pedreiro, que este firma a seu rogo, etc.»

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