sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Numa figueira, o mundo

Hei-de ser sempre um fervoroso amigo das figueiras, dessas que nascem pelos cantos e por lá ficam a crescer ao abandono. São árvores generosas, que não pedem cuidados e dão sombras frescas e perfumadas quando mais precisamos delas. Além disso, penduram nos ramos os seus frutos, com diversos feitios e deliciosos sabores à escolha.
Já tive uma figueira tão grande, tão imensa, que me parecia o mundo. Trepava pelo seu bojudo tronco, percorria as avenidas que eram, na minha fantasia, os ramos mais grossos, e as ruas, que eram as ramificações menores, aventurava-me depois pelos becos sem saída para estender o braço para os figos maduros. Tinham pele fina e luzidia, quase esmeraldina, de forma oblonga e cheia.
Apeteciam-me mais os que via já de pele morena engelhada como o rosto dos vizinhos muito idosos. Eram intensamente doces e tão deliciantes que, ao abri-los ao meio, sentia logo que eram quase figos secos prontos a elevar-me ao céu das doçuras. Prefiro desde então peças de fruta também idosas, incluso com algum podre para limpar, porque avalio o bem que tem dentro.
Assim também são algumas pessoas de idade. O tempo secou-as por dentro, encarquilhou as peles por fora, mas o melhor conservou-se no seu interior. Quanta riqueza de sentimento, compreensão, humanidade!
Todavia, poucos eram os figos, como as pessoas, assim deliciantes figos secos que eu podia encontrar então nos ramos daquela figueira ou, hoje, nas ruas deste mundo. Os pássaros, em bandos, bicavam-nos e comiam-nos quase todos. Estendia a mão para colher um na ponta de um raminho que repuxava para mim, tão lindo, apertava-o na mão e de repente largava-o porque dele saíam vespas por uma fenda aberta do outro lado e eu, num susto, recuava para não me picarem.
Mas não eram só as vespas que voejavam em torno da frondosa copa de grandes folhas verdes. Nem só os pássaros. Também as abelhas e outros insetos a envolviam com um zumbir de asas tão perfeito e leve como nuvem de gaze. Da ponta redonda como um beijo dos figos maduros saía o pingo de mel que lhes dava o nome. Outros, rechonchudos e bonitos, olhavam para mim com uma expressão sorridente que me lembrava caras conhecidas. Eram os primeiros que os pássaros atacavam: davam-lhes umas bicadas breves e deixavam-nas ali a secar, como certas raparigas enganadas que depois nem os pássaros, só as vespas, queriam.
Era pródiga aquela figueira querida dos meus tenros anos. Desapareceu com a minha infância. Estou agora a lembrar os seus frutos tendo na mão uns outros, escuros, também saborosos, sim, mas não os meus doirados e pródigos pingos de mel. 

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