A situação económica, de crise estrutural, em que se afundam na atualidade tantos segmentos das populações europeias, ajudará realmente os povos a procurar consolo nas igrejas? Ou, inversamente, contribuirá para os afastar e deixar em descrença? A questão torna a pôr-se, pedindo novas avaliações.
O avanço dos conhecimentos científicos e da educação em geral, em coincidência com uma multiplicidade de fatores sociais, tem incentivado um progressivo enfraquecimento da adesão às formas cultuais da religiosidade tradicional. A laicização das populações vulgarizou-se e a religião foi-se resguardando na esfera do privado individual ou de grupo. O anúncio do “fim da fé” sobreveio à proclamada “morte de Deus”, supremo pai da vida substituído, nas sociedades de consumo e da liberdade fictícia, pelo “deus-mercado”.
De facto, Deus é não o criador da vida, logo da humanidade, sim criação humana elaborada em resposta a ignorâncias e medos ancestrais da espécie. Porém, a população católica portuguesa continua a ser maioritária no país, pois representa uns 85%. No entanto, abalada por escândalos de especial impacto (pedofilia, ocorrências no Vaticano), pode ter enfraquecido a fé, concorrendo para o aparecimento de 615.332 habitantes que o recenseamento de 2011 regista sem religião.
Mas a crise socioeconómica, se não anima o valor das côngruas e dos dízimos, pode atrair ao santuário maior peregrinos em renovadas súplicas por um emprego, ainda que lá cheguem de mãos vazias. Por outro lado, nem todas as correntes religiosas sentem a crise de igual modo. Enquanto a católica regista menos fiéis nos templos aos domingos, outras igrejas, da IURD e de outras organizações oriundas do estrangeiro, parece que singram com bom vento.
Nesta situação despontam alguns sinais de uma evolução geral surpreendente. Certas missas e outras celebrações religiosas apresentam-se com liturgias que transformam os templos em teatros e os oficiantes em atores de uma qualquer pantomima, com verbo inflamado e um pequeno sortido de frases repetidas (marteladas) cem vezes até aquecer e levar ao rubro a freguesia. Ora a freguesia aumenta: aprecia o espetáculo, a vozearia, a emocionalidade fácil e mesmo alguma superstição, sai satisfeita e volta.
Deus, lá do Seu etéreo assento, conserva o indefectível mutismo que tomou desde o princípio das idades e, portanto, nada diz. A liturgia deixa-se contaminar pelo lado laico e as celebrações religiosas, com abundantes Bíblias e crucificados, abrem-se para a cultura do espetáculo ruidoso e festivo. A vivência espiritual intimista sai para o exterior a tomar ares, prova da novidade e gosta, fechada num individualismo que não mais distingue religião de religiosidade, fé de crença iluminada por inteligência viva. [Imagem: placa de ugarit, a primeira escrita alfabética.]
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