Cartas trocadas por um escritor, meu prezado amigo, com um outro seu amigo também dado às letras, que há dias me foram dadas a ler, deixaram-me a reflectir sobre o tema que nessas cartas debatiam. Tentava um persuadir o outro da importância que a criação de um estilo literário pessoal tinha para o autor. Mas o persuasor acabou de repente a optar pelo suicídio enquanto o seu correspondente continua activo, a escrever.
Será assim tão relevante, de facto, a ostentação de “estilo pessoal” no que cada autor assina? Sem qualquer dúvida, a originalidade da obra é condição primeira da criação artística autêntica. Porém (como o outro avisa, lembram-se?) essa originalidade de estilo não pode chegar a ser tão pessoal ao ponto de impossibilitar a redacção de uma carta anónima…
Normalmente, o estilo resulta do jeito pessoal de cada autor que usa as possibilidades expressivas da língua. Logo, todo o autor, literário ou não, “tem um estilo”, na medida em que, em rigor, afeiçoa o léxico e a sintaxe ao que pretende verbalizar. Mas, desejando que o seu texto seja inteligível, terá que atender ao velho preceito de Aristóteles: “A primeira qualidade do estilo é a clareza.”
Em última análise, uma forma de expressão verbal acabada contém marcas da originalidade do respectivo autor (a contrastar com noticiários da imprensa, de teor unívoco, informativo). Todavia, não é esse “estilo” rarefeito, dissolvido nos textos, a bagatela que alguns autores literários de hoje almejam. Quererão atingir uma originalidade elaborada e notória no plano da estética literária, isto é, que transcenda Saramagos, Lobos Antunes, Aquilinos, Eças… e todas as influências que possam ter recebido.
A competição no meio literário aperta, violenta, impõe mesmo estratégias de sobrevivência. Montes de novos autores surgem em cachoeira jorrante no espaço mediático, uma golfada abafa a precedente e para não entrar ou continuar na sombra a repetir histórias requentadas (pois não restam outras) com temperos de escrita criativa, um “estilo” é sonho lindo que reforçaria a “marca” que tem o nome do autor. Querendo, ele pode mudar de caligrafia (caso rejeite o computador, teimando em escrever à mão), mas uma estética literária inovadora não será de criação assim tão acessível…
De resto, há bastantes maneiras de cultivar a forma, tantas maneiras que podem chegar, a meus olhos, a vizinhanças do cultismo gongórico. Porém, a forma desgastou-se e pede renovação, isto é, em termos de estética literária, pede odres novos para vinhos novos. Esperemos então que a definição do anunciado cânone literário venha dar uma ajuda, irrompendo como Godot no palco onde o esperam dois crentes palradores. [Imagem: Afrodite, escultura miniatural criselefantina de Ferdinand Preiss: 1882-1943.]
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