quinta-feira, 20 de junho de 2013

Com o Vento Que Passa



Um livro, máxime de poesia, pede grafismo corporizado em sintonia o mais possível fiel à vibração sensorial do seu conteúdo. Mas é raro o desiderato. Todavia, acontece agora com O Vento Que Passa, poema de Pires Laranjeira.
É, desde logo, uma cuidada e bela edição, onde os próprios textos corporizam o formato assumido (note-se a singularidade: tem chancela da Papéis de Fumar; Associação Crescente Branco, Braga; 91 pp). Quer dizer, harmoniza o interior com o exterior numa simbiose valorizada, até, pela inclusão de dois desenhos do próprio Autor. Sente-se o vento que passa pelo poema mas o poema não passa com o vento.
Pesa no chão tanto como estes tempos de crise que nos abrumam e submergem. Não por acaso, abre com epígrafes de inspiração bíblica, ou mesmo apocalíptica, e de vários autores: Eclesiastes (“Isto é também vaidade e vento que passa”), Karl Marx, Gilles Deleuze, Michel Onfray, Apocalipse. As quinze estâncias do poema espelham a relação homem-mulher, a realização emocional e sexual, carregando a força poética de dramatismo, vibração epifânica e, logo, desgarrada solidão.
Porque “quando o mundo embruteceu / ou há riso a mais / na máscara da crise” (p 18), o ambiente social fica cheio de seduções efémeras, convites superficiais ao desejar contínuo numa desgastante volição dos sentidos. Sentimentos e emocionalidades fáceis em torvelinho enredam-se no eixo do “cada um olha por si”, regra em uso geral que fecha os olhos para o facto de que ninguém se realiza sozinho. A relação amorosa, sobretudo, já por si mesma conflitual, vai acumulando tensões explosivas.
É o fio temático que percorre o poema, que é também uma apóstrofe à mulher amada (plural?) que parte e deixa o amante em violenta crispação: “a felicidade alheia é sempre assim / ninguém quer saber do amor asseado / de um idólatra idoso / por uma donzela fresca / de olhos grandes” (p 35). Mas é então que este pode experimentar, na insatisfação, a dimensão maior da sua liberdade individual. “Não cries [ela, tu] um fantasma de solidão / e independência / sem dinheiro e sem tesão / que a europa quer vender” (p 24).
Mas um apelo transido e veemente ecoa por todo o Vento Que Passa. Com variantes, repete: “Não / não digas que não / não nunca não por favor não […] não te afastes pra longe / dá-nos o teu regaço fraterno / o recanto materno / não vês que somos ainda crianças / por desmamar?” (p 88).
Fragilidade exposta. Atenua a crueza franca de uma expressão poética vívida, trabalhada por quem conhece a arte literária e não esquece os desconchavos do mundo embora deles se desvie. Termino esta singela recensão com outra singularidade: Pires Laranjeira (José Luís), modestamente, não lista no seu livro as obras que já publicou, e são bastantes e variadas, ligadas ou não ao seu notado perfil académico.

1 comentário:

João Rasteiro disse...

Livro a "aquirir", seja por compra...ou por oferta! Grande abraço ao meu antigo (não ele, pois por esta amostra crítica, está cada vez mais novo...)professor na U. C. de Literaturas Africanas. E viva a poesia, mesmo se esta venha a ser sempre, "um fantasma de solidão / e independência / sem dinheiro e sem tesão" - esta, a tesão,a falta dela, para os que preferem continuar no "recanto materno" da ignorância e futilidade...deste mundo actual. (H)a-braços, João Rasteiro