O leitor atento destas páginas deve vir notando o interesse, mesmo o fascínio, que certas palavras carregadas de história em mim despertam. Fascina-me realmente o que podemos encontrar devassando o que nelas se guarda. E assim terão notado quanto me atraía o vocábulo anima, que encontramos na raiz latina da “alma”, a tal que os teólogos dizem eterna, e na “animação” que em tempo recessivo nos escasseia.
Porque a semântica de anima (“sopro, ar; alento”) aponta para respiração, fácil era perceber que o vivente animado tem “alma” na justa medida da sua animação. Mas logo a respiração me guiou para o verbo “folgar” que, como recordaremos, não passa de um folegar, dar muito aos foles do peito, portanto de uma animação. No entanto, outras descobertas novas se fazem devassando vocábulos de uso corrente.
A respiração também aparece no “alento”, substantivo de abordagem não menos reveladora. Significa, sem segredo, “força para respirar; bafo, respiração; força; ânimo”. Ou ainda, por outra via - de (h)alenitu - que o Dicionário regista, “exalação; respiração”.
Curioso é que ao falar de anima ou folegar, ou de alento, a semântica aponte de imediato, com impecável pontaria, para a função respiratória. A lembrar-nos, afinal, que é função impreterível de todo e qualquer organismo vivo que vai continuar vivo. Mas, com especial relevância, que é função a mais vital da espécie humana...
Logo, são diversos os vocábulos que aludem ao fenómeno vida, que é respiração, bafo, exalação. E “hálito”? (“ar expirado, sopro, viração, bafejo”, do lat. halitu); e “anelo”? (do v. lat. anhelare, “respiração ofegante”).
Na sua variedade, exprimem a admiração maravilhada que sempre rodeia o fenómeno da vida a eclodir em acto onde quer que se anuncie. Mas como compreender verdadeiramente o fenómeno? A inteligência humana aplica-se, esforça-se e acaba sem mais alento...
Avança pelos organismos vivos, vai do mundo biológico até ao inorgânico, lá onde se dilui a fronteira entre o último ser vivo, digamos um vírus, e os processos físico-químicos. A ciência esclarece mais e mais, identificando a “alma” teológica com a respiração natural do ser vivo. Mas se quiser “explicar” o fenómeno da vida tal como o conhecemos no planeta, talvez considere que a Terra foi atingida há milhares de milhões de anos por um asteróide portador de elemento fecundante, uma simples bactéria, trazida do respirar cósmico...
1 comentário:
"São como cristais as palavras...".
Ler-te e o fim de semana terminado em beleza.
E quando ainda não sabíamos escrever nem ler?
Mais logo, vou telefonar à minha querida professora Milú, da primeira e segunda classes, a dar-lhe os parabéns. Faz hoje 59 anos que entrei na escola: eu tinha 6, ela fazia 21 nesse dia. Estamos sempre em contacto. Também com a minha querida Natália, da quarta classe.
Grato a elas e a ti,
Rui
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