sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Com Mark Twain e rei Artur

Foi só por volta de 1960 que pus a mão no último dos três mais célebres romances de Mark Twain, Um Americano na Corte do Rei Artur, publicado nos E. U. A. em 1889, na sequência do estrondoso sucesso conseguido pelas “Aventuras” de Tom Suwyer e Huckleberry Finn, de 1876 e 1885, respectivamente. Eu já estaria nos trinta anos, mas ainda li a obra na colecção Juvenil da Portugália (Lisboa, sem data; tradução de Nascimento Rodrigues, capa de Paulo-Guilherme). Avancei até à página 286 (que deixei marcada) e aí larguei o volume para o retomar agora, em fase de releituras prazenteiras.
O que me chamou para esta releitura passado meio século e a terminá-la no “FIM”, página 385, foi a atenção que outrora dei a um trecho de Mark Twain sobre direitos de autor. É curioso e foi mesmo o único trecho que deixei sublinhado. Diz (p 244):
“Chamar trabalho ao trabalho intelectual é usar uma designação equívoca; trata-se de um prazer, de uma distracção, que em si própria contém a sua maior recompensa.” O Autor considera que o “menos pago dos arquitectos, engenheiros, generais, autores, pintores, conferencistas, advogados, legisladores, actores, cantores, etc., “está num paraíso quando trabalha”. O músico, enfim, admite ele com alguma ironia, “trabalha”, mas a “lei do trabalho parece horrivelmente injusta.” Afirma. “Quanto mais alta é a sensação de deleite que obtém o que a executa, maior é a compensação em dinheiro pago à vista.”
Upa! Mark Twain (1835-1910), festejado desde o seu primeiro conto (1867), quando escreveu estas linhas já era autor de best-sellers e senhor de óptimos rendimentos. Sabia perfeitamente quanto esforço pede a literatura feita de “palavras [que] são apenas uma espécie de fogo pintado” (p 11). Mas, naquele tempo, algo acontecia: “Até a profissão de autor estava a iniciar-se” (p 341) e por sinal com um outro humorista, numa tão insuportável concorrência que Twain desejou proibir o livro e enforcar o fulano…
O debate deste tópico – não o do humorismo, tema demasiado sério para uma crónica, sim o dos direitos dos autores – foi o isco que neste caso me pescou para a releitura. Assim me envolvi numa Inglaterra do século quinto, do Rei Artur, da cavalaria andante e da Távola Redonda evocada com o estilo fresco e divertido de um mordaz crítico da monarquia e ardente defensor da república e do sistema democrático, feliz por liquidar os restos de moinhos de vento deixados no terreno pelo D. Quixote de Cervantes. À tona veio a tão citada frase de William Faulkner que proclama Mark Twain “pai da literatura americana”.
Os direitos dos autores, não só literários, começaram realmente em meados de Oitocentos a ganhar forma legal, incluso em Portugal, com Almeida Garrett, Alexandre Herculano e outros. Ainda hoje esses direitos se debatem sob o cilindro compressor dos interesses instalados para assumir a forma adequada às condições do tempo presente. Tema de reflexão oportuna: comparar a literatura do tempo de Mark Twain com a da actualidade, avaliando nesta a quantidade prodigiosa de escritores profissionais fabricantes de best-sellers!

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