Conforme é de uso, o cronista pode, querendo, debruçar-se sobre umas telúricas ocorrências do seu próprio umbigo, ou, mergulhando na cachoeira dos episódios do quotidiano, escrever sobre o escândalo do dia ou peripécias várias. Ora, se o próprio umbigo deste vosso cronista é lavado no banho diário e, por manifesto pudor, logo fica tapado pela camisa, e se também quer fugir o mais possível dos chinfrins da rua, sobre o que vai ele escrever? Vai, suponho, tentar a captação de sinais mensageiros que perceba no ambiente.
Apoiado nas informações de que disponha, tentará reflectir uma pessoal prospectiva do que pode esperar a colectividade no próximo futuro. Quer dizer (assumindo um pouco do estilo dos velhos almanaques), o cronista tenderá a elaborar uma espécie de “juízo” do seu e nosso tempo.
Por este caminho vem há seis anos, desde que criou este blogue em Janeiro de 2008. O propósito inicial teve que acompanhar os acontecimentos que então se precipitavam em espantosa cadeia. Eram inacreditáveis, calamitosos, desvairados, de estarrecer.
Bancos e sociedades financeiras de relevo mundial declaravam falência e grandes empresas internacionais deslocalizavam-se para explorar mão-de obra quase escrava no estrangeiro e usavam paraísos fiscais para esconder os lucros e fugir aos impostos devidos. E foi então que vimos os governos a intervir com montes de dinheiro recebido dos contribuintes, esmagados por impostos acrescidos, pela austeridade e o desemprego, na salvação de empresas privadas, e a demonstrar com máxima clareza que governavam não em prol do povo eleitor mas sim em apoio das oligarquias financeiras, empresariais ou militares. Os sistemas político, financeiro e bancário, tal como funcionavam, acabaram igualmente por atrair as atenções e este blogue para o cronista, que seguia tais acontecimentos, transformou-se no seu palimpsesto.
Foi preciso, realmente, acordar na aflição de uma ordem nova a reinar em meio mundo e com ímpeto tão avassalador que parecia já envolver todo o planeta. Os sinais traziam mensagens claras e abundantes, continuam a povoar a atmosfera em que vivemos, cada vez mais claros e inequívocos, mas, para além de uns segmentos cultos, os sinais têm-se diluído nas distracções populares proporcionadas pelos espectáculos diários servidos pelos canais dos media. A realidade desta crise política, uma crise especialmente avassaladora porque é estrutural (marca a transição de um tempo “velho” para um outro ainda enigmático, ameaçador), é sonho mau que as massas esconjuram supondo que só existe de facto o que querem ver. [Imagem: cartoon de Poleur.]
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