Agora que o aquecimento global já acumula consequências ecológicas irreversíveis e os críticos do facto científico abandonam o combate tendo cumprido o seu papel ao distrair o mais que puderam as atenções, está o planeta a ser invadido por um arrefecimento não menos catastrófico. É um arrefecimento que podemos representar em cor azul, caso vejamos o aquecimento em cor vermelha. Mas esta outra mudança de temperatura não é de ordem da física; é mental, cultural, ideológica, política.
Todavia, é tão vasta, arrasadora e tremenda que está a alterar dramaticamente a existência quotidiana de povos de nações e continentes inteiros, a atentar contra as regras de coexistência entre as nações e a colocar sob ameaça crescente a paz e a segurança do mundo. Só uma mudança planetária tão radical poderia espalhar um esfriamento das mentalidades assim tão violento que impõe à História a transição para uma “outra” época. Os portugueses que iam nos vinte anos no 25 de Abril (1974) e sentem na pele os sacrifícios impostos pela “crise” percebem a mudança: o povo antes participativo e reivindicativo, alegre e solidário, de esquerda democrática, agora anda frouxo, ensimesmado, individualista, apolítico, interessado sobretudo em futebol, telenovelas e fados.
O tecido das relações humanas gerais deixa à vista a dimensão das transformações havidas em quarenta anos. O panorama social que este rectângulo ibérico então ofereceu passou de vermelho para azul - esfriou. E, no continente europeu, ou à volta, mais longe, onde aparece hoje um governo com políticas que não sejam de direita?
A indiferença pelo exercício dos direitos e deveres da cidadania estabeleceu-se como regra comum; o bem colectivo tornou-se abstracto; os governantes aproveitam-se e, em vez de cuidarem dos interesses legítimos de quantos os elegem, apoiam as grandes empresas privadas, bancos incluídos, agravando a pobreza e as desigualdades. Assuntos correntes da maior relevância ou significado, como a “censura” (ilegal) aplicada pela direcção do ISCTE ao último nº da revista “Análise Social” e ao seu director por causa de um artigo de teor político “abusador”, ou como a discussão, no Conselho Europeu, do TTIP, que propõe um acordo comercial entre a EU e os EUA e que vai anular completamente a soberania nacional a favor das empresas exportadoras, quase nem despertam atenções.
Um sinal de toda esta transformação, soprada de algures sobre os povos em transe, esteve diante de mim: uma linda rapariga com 23 anos e casamento à vista, licenciada a trabalhar a recibos verdes, conversou comigo. Quis convencer-me da sua ideia: que o “não saber é o seu caminho para ser feliz”. E não a convenci, ninguém a convence, de que, por tal caminho ela se condena a ser uma (in)feliz ignorante. [Foto do certame Amdan, 2014; autor não indicado.]
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